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sábado, 26 de julho de 2008

Tio Raysner e suas desventuras...

Ontem meus pais comemoraram 21 anos de casados.

Considerando as estimativas para uma relação na modernidade, os dois pombinhos estão batendo recordes e mais recordes. Ao todo são quase três decádas juntos (se levarmos em conta os seis de enrolação). E eu acho isso tão bonito e até sinto orgulho de vê-los assim, tão unidos e enamorados depois de tanto tempo.

O meu pai tem uma pinta de malandro, mas é um homem romântico. Se eu tivesse o mesmo faro para mulher que ele tem, na certa não passaria tanto tempo encalhado. O homem era o Dom Juan lá da 'Portelinha' onde ele cresceu. Se arranjava com toda a mulherada. Pelo menos é o que ele e minha mãe contam. Todavia, se levarmos o padrão de qualidade dele... Enfim! Ainda bem que ele encontrou minha mãe.

E o romantismo do meu progenitor é exacerbado. Ele é daqueles homens que compram flores, tratam a esposa como princesa e onde quer que vá está acompanhado dela. Parece que aquele ar de inicio de namoro nunca se perdeu no relacionamento dos dois. O problema todo está só na forma que ontem ele escolheu para demonstrar o seu sentimento...

A tarde já se ia quando meu celular toca:

-- Oi, pai.

-- Tudo bom, Raysner?

-- Tudo pai.

(Raramente ele me liga a tarde e ainda por cima do serviço. Quando este evento ocorre pode esperar: lá vem bomba!)

-- Tá precisando de alguma coisa pai?

-- É que Home Theather já está disponibilizado lá na Autorizada. pode ir lá buscar?

-- Posso sim pai. Só isso?

(Ah...Essa minha boca! Por que eu não desliguei na hora?)

-- Ô Raysner...Que é que você vai fazer mais tarde?

-- Ah, pai! Nada.

(Isso porque era noite de sexta feira, em pleno mês de férias!)

-- Então...Não sai não.

-- Por que pai? Vocês vão sair hoje?

-- Não. Por que eu preparei uma surpresa pra sua mãe! Quer dizer, pra homenagear nós dois.

-- O que pai?

-- Contratei um carro de Mensagem...

-- AO VIVO?

-- É!

-- Com foguete e tudo?

-- E cesta mais 4 músicas! - e como se estivesse me contando que tinha ganhado na loteria - Uma foi brinde!

-- Ah não pai!

-- O que?

-- Nada, nada!

-- Ah, Raysner! Me deu vontade. Vai chegar aí em casa por volta das nove. Daí, fica em casa pra estar lá com a gente na hora em que eles chegarem. Avisa o Randyner!

O mundo parou naquele momento. Sim! Eu ainda tenho destes acessos infatalóides, típicos dos adolescentes, que quase me matam quando meu pai resolve 'diferenciar' o seu comportamento. Pior que a notícia da cárie, dada pelo dentista a alguns meses atrás, foi só este comunicado dele. Meu estômago deu um solavanco e eu comecei a arquitetar planos para estar longe de casa às nove. Não podia ser proposital. Teria que parecer acidente, entende? Aí, comecei a pensar numa intoxicação, quebrar o pé, cortar um pulso ou, quem sabe, tomar um sonífero... Um não (tenho sono leve e aquele foguetório não ia ajudar em nada!), três (só para garantir).

Mas aqui em casa não tinha nem sonífero e cortar os pulsos é coisa de emo. Quebrar o pé já estava fora de cogitação: Tenho um espetáculo para estreiar daqui duas semanas. Não dá pra entrar em cena engessado. O negócio era se agarrar na folhinha e ter fé em Deus. O resto... Ah! Nem era tão ruim assim: Só trinta minutos de show no meio da rua.

E eis que o relógio marca 20:50. Faltam só dez minutos. O estômago estava ótimo. E a suadeira então? Super controlada! As pernas nem tremiam e o safado do meu irmão tinha zarpado. Minha mãe, coitada, gripada e com febre, já estava vestindo o pijama e meu pai insitindo para ela se arrumar para pelo menos 'ir ali, comer alguma coisa.' E eu, rindo nervoso, só esperando o carro - nada chamativo - chegar e aquele pesadelo de Kafka acabar. Acabei tendo que dar um pulinho na rua antes do príncipio do circo. Um casal de amigos meus me chamava.

E lá estava eu com meus dois amigos, na entrada do prédio, quando, lá na ponta do morro, surge ele, de giroscópio ligado, luzes de neon acessas e espalhadas por todo o véiculo, porta-malas aberto e executando uma música do Bruno e Marrone que, de tão nervoso, eu nem reparei qual era: Pronto! Não tinha mais como fugir... O carro de tele-mensagens chegara.

Quando se mora em prédio nada passa despercebido. Em menos de segundos, dezenas de janelinhas se iluminaram nos prédios vizinhos e o pessoal mais próximo dos meus pais se amontoou ali, na entrada do condomínio, para prestigiarem os pombinhos.

-- Gostaríamos de convidar aqui nossa amiga Helena. - disse o locutor.

E agora, além de luzes acessas, via-se cabecinhas de curiosos em todas as janelas. E nada da minha mãe sair para receber as homenagens.

-- Ela deve estar matando meu pai. - eu disse ao meu amigo.

-- Eu, no lugar dela, pedia divórcio. - disse minha amiga, quase tendo um surto de tanto rir.

-- No seu aniversário eu vou te mandar um, Mayara. Só pra me vingar. - eu disse a ela.

-- Eu nunca mais olho na sua cara, Raysner!

Não é a primeira vez que meu pai faz isso. Já é a terceira, se não me engano. A diferença é que sempre o carro espalhafatoso chegava no meio da festa do aniversário dela e aí virava bagunça porque ela e todos os convidados já estavam bebados. Era um tal de todos os amigos dela falarem, cantarem e se declararem que só Jesus. No entanto, ontem ela estava sóbria. E não tinha nenhuma festinha para todo mundo encher a cara. Agora era encarar na marra.

-- Helena... Onde está Helena?

Pois é! Onde estava Helena?

E eis que os dois surgem: meu pai e minha mãe. Íncrivel: ele não tinha nenhum arranhão.

As luzes do carro não se apagam. Um outro homem que veio no carro estoura os fogos de artíficio. O locutor retoma a atenção, lendo um texto padronizado que meu pai só teve o trabalho de escolher. E mais vizinhos se postam a observar, a Mayara quase morre de rir e eu ali, mais vermelho que um pimentão. De repente, mais fogos, mais uma música do Bruno e Marrone, um beijo dos dois, ali mesmo, no meio da rua e eu com um sorriso mais amarelo do que nunca. Quando parecia que tudo ia acabar...

-- O senhor não quer dizer umas palavras a ela? - o locutor perguntou ao meu pai.

E ele se declara pra ela. Ai! Se não fosse tão cômico seria até bonito. Os vizinhos aplaudem e o louctor dá a minha mãe direito de resposta. Até ali ela estava tão quieta que eu já estava achando que a vergonha havia paralisado todos os músculos do rosto dela. Sim, porque minha mãe não tinha mais expressão na cara. Era algo indefinido entre 'Ai, esse meu marido' e 'Vou te matar, Natinho!'. Porém, ela disse só isso...

-- Eu só tenho a dizer que também te amo muito e que essa data se repita ainda muitas vezes.

Novo beijo, Caetano canta 'Eu sei que vou te amar' no alto-falante, embutido no porta malas do carro, ela chora, os vizinhos ovacionam e o Kayky, o meninho de três anos aqui do prédio, faz uma gracinha no microfone, todo mundo acha graça e eu respiro aliviado... Ai! Acabou...

...Nada! Tinha mais um foguete e mais uma música (Eram 4!). Meu pai vai até o carro-circo e pega uma cesta para minha mãe. No fundo, no fundo, eu sei que ela preferia uma jóia, mas amou a homenagem. E, graças a Deus, o carro vai embora ao som de "Same Mistake", do James Blunt.

Os vizinhos que observavam se recolhem e voltam a suas vidinhas noturnas. Meus pais entram para casa. E eu fico ali.

O Marlon e a Mayara comentam algo. Eu, pensando:

"Pode até ter sido barangoso, rídiculo e brega. Mas está pra nascer pais mais apaixonados do que o meu... Até que no fim eu acho que gostei. Contudo, que isso não se repita no próximo ano." E me pus a rir daquele loucura amorosa do meu pai pela minha mãe.