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domingo, 10 de julho de 2011

da turbulência...

Quinto dia de apresentação: com um certo ar de cansaço, mas ainda sim embalados pela boa apresentação do dia anterior, iniciamos nossa rotina pré-espetáculo. O propósito era repetir os mesmos passos que culminaram com o bom resultado da noite de quinta: "energia" como palavra de ordem. Concentração, atenção, ritmo e presença durante as duas horas de peça. Misturamos todos estes ingredientes e não deixamos a massa descansar para não esfriar e ficar sem graça. Servimos imediatamente após nosso aquecimento diário. Em média, 200 porções.
Fazíamos uma apresentação justa, sem atropelos, com mais propriedade daquilo que propúnhamos em cena até que o inesperado nos alcançou...
A turbulência!
O mar agitado!
O buraco na estrada!
O prego no pneu da bicicleta!
Ou, simplesmente e assustadoramente, a falha do som mecânico.
(Um minuto de silêncio pelo acontecido.)
...
Pois é!
Estávamos no "momento medieval" do espetáculo, quando as atenções se voltavam para encenação da paixão de Cristo [que conta com aparatos multimídia], que a bruxa do teatro nos pregou uma peça: o som parou de funcionar e o áudio gravado com os textos do julgamento de Jesus, que sobrepõe o vídeo que é exibido durante a cena, não foi ouvido naquela noite. A arena ficou em silêncio diante da sequência de imagens que narram os momentos finais do filho de Deus até que o nosso Jesus postiço, já crucificado e com o texto na ponta da língua, deu o ar da graça e não deixou por menos: soltou a voz, reclamou o abandono do Pai, proseou com os dois ladrões[que foram representados por atores espertos na mesma medida], suspirou uma última vez e morreu.
Prosseguimos com espetáculo e a falta do som só seria sentida novamente na cena do "Inspetor Geral". Momentos antes de entrar em cena, perguntei aos operadores de som se poderíamos contar com a música. O sempre querido Ivanil (faz de tudo n'A Viagem de Thespis) que estava por ali, tentando solucionar o problema, sorriu e me respondeu "acho que sim".
No início o som até quis funcionar, mas depois de duas engasgadas silenciou-se de vez. Prosseguimos na execução da cena que acreditávamos ser totalmente dependente da música. E a sensação é de que nunca chegaríamos até o fim da estrutura que compusemos para contarmos a história do Gógol sem utilizar texto falado, inspirados pelo cinema mudo. E corre pra lá (e escuta o ruído da corrida antes abafado pela música), joga o saco de dinheiro pra cá, o falso inspetor escapa no meio do público perseguido pelos outros personagens e, antes do próximo acontecimento da peça, aplausos. Palmas generosas do público, dos nossos colegas de cena e os da equipe técnica. Para quem pensava que tínhamos perdido os remos, engano: Continuávamos remando, firmes, fortes e (mais importante) juntos.
Terminamos a quinta apresentação com alguns colegas machucados. Nada grave, só um pouco dolorido. A bruxa, além de solta, queria sangue! Mal sabia ela que com um bom Gelol e uma noite de sono voltaríamos no dia seguinte com força total...
(continua)

"NÃO ACONTECE COMO ERA DE SE ESPERAR. E ASSIM, TERMINA O DRAMA".
Dionísio.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

como [ou melhor que] a primeira vez

"Energia" era a palavra de ordem do início dos trabalhos do quarto dia de temporada. Se nas duas noites anteriores fizemos um espetáculo demonstrando que sabíamos o que precisava ser feito "tecnicamente", já passava da hora de injetarmos vida no trabalho. "Estar" de fato. Corpo e mente presentes, atentos, precisos. Organicidade. Ritmo. Tátibitati. Um belo colorido em um desenho bem delineado. Acreditar no que se faz.
E hoje em dia é difícil encontrar por aí algum coletivo com mais de cinquenta pessoas [de diferentes gostos, vontades, estéticas, formações e visões] que o desejo de fazer a coisa toda funcionar é unânime. Há um anseio de aprimorar o espetáculo e fazer igual ou melhor [e menos nervoso] que a primeira noite, em que pairava a boa sensação de dever cumprido. Evoé. Nostalgia!
(Um instante: onde lê-se "nostalgia", leia " por acaso somos um bando de moribundos no final da vida? Não. Deixa o tal "recordar é viver" pra outro momento porque às 20 horas em ponto o público adentrou os reinos oníricos [e caótico] de Dionísio e lá estava mais uma boa oportunidade de colocar este romantismo mamão com açúcar - o fiz e foi tão lindo... - de lado e remar com coragem".) E foi o que fizemos.
Mais cedo, o Hilde havia nos pedido que tirássemos aquela calma das nossas caras e ficássemos atentos. Na hora bateu feito um safanão no pé do ouvido. Mas depois houve boas reverberações em cena. Aquilo de saber o que fazer e abrilhantar o como se faz. No conforto do "jogo ganho" esse brilho não dá o ar da graça e parece que estamos apenas cumprindo tabela. Fora os "imprevistos" que podem aparecer graças a este afrouxamento e serem decisivos em um espetáculo de tantos detalhes. Nesta noite, a chamada de atenção nos fez bem. As passagens de uma cena para outra estavam fluídas e a tal energia estava lá em cima
A plateia - que engraçado! que honra! - repleta de gente que já assistiu o espetáculo anteriormente reage conosco a cada nova cena. Já sabe onde ir na hora certa. Cantam com os atores. O professor Arnaldo Alvarenga estava com o "Na Carreira" na ponta da língua e sua voz se juntou às nossas. Difícil pensar que os professores Marcos Alexandre e Luiz Otávio não se divertiram naquela noite. A risada dos dois é um à parte no espetáculo e, claro, sempre bem vindas. Quem veio pela primeira vez também se contagia.
-- Alguém abandonou o barco durante "A viagem"?
-- Parece que não, capitão.
-- Ora pitombas! Isso é muito bom, senhores!
Se houve falha ali ou aqui, a energia boa entre nós passou por cima de manteve tudo em ordem. Palavrinha poderosa essa. Casada com a técnica, faz das duas horas de peça uma celebração. Um bom encontro. E por ali, na sala onde guardamos os nossos figurinos e objetos de cena, pipocar vários comentários do tipo "fizemos um bom trabalho".

FELIZ É QUEM CONSEGUE SUPERAR AS PROVAÇÕES AO LONGO DESTA VIDA.
Sátiros.

o fantasma da pós estreia

Durante as antigas e grandes expedições em busca de novos cantos no mundo, os viajantes ficavam à mercê dos mistérios lendários que os mares abrigavam. Assim nos conta a história. E é assim que também nós, viajantes-atores ,nos sentimos nas duas apresentações após a estreia.

Os trabalhos do segundo dia começaram com uma curta reunião com o diretor Hildebrando que nos parabenizou pela boa [porém nervosa] estreia. Destacou os pontos positivos e negativos que tivemos no primeiro dia, apontou aspectos que mereciam mais atenção e nos alertou: “Cuidado com a lenda do segundo dia!”

Dizem que segundo dia de espetáculo é sempre ruim quando se faz uma boa estreia. Porque ator é ator e ego a gente tem de sobra. Diante da boa recepção do público na primeira noite, corríamos o risco de afrouxarmos os corpos, deixarmos a energia cair, perder o estado de prontidão para as mil e uma coisas que acontecem simultaneamente durante o espetáculo e marcarmos gol contra por acharmos que o “jogo” já estava ganho. “Pelas caras cansadas de vocês eu vejo que estamos perto de tornar real essa lenda”, completou o Hilde.

Estávamos sim cansados, mas havia um comprometimento de nossa parte de não deixar a coisa toda desandar. Também tinha o frio que, como já havíamos imaginado, não colaborava e estava desencorajador usar as poucas peças de figurino do início do espetáculo. Pairava outro mistério: será que numa noite fria de terça-feira teríamos público?

Tivemos! Um pouco menor do que na noite de estreia, mas mesmo assim tínhamos quase todos os lugares preenchidos. E isso nos deu um gás a mais para suportar a friagem, superar o cansaço e novamente realizar um bom espetáculo que fosse melhor do que o primeiro (quem sabe?).

No dia seguinte quando o Hilde nos disse que havia sido "um espetáculo técnico” não foi nenhuma surpresa para nós do elenco. “Não podemos fazer menos do que fizemos ontem”, completou. O que algo havia se perdido na noite de terça: Energia? Emoção? Presença dos atores? Envolvimento do público? Segurança naquilo que propúnhamos? Precisão? Ritmo? Todas as outras opções que fazem de uma apresentação um bom espetáculo? Mistério!

E aí veio a terceira noite, na quarta, dia 06. Em geral, apesar das lacunas, foi um bom espetáculo. O público se mantém e compartilha conosco as duas horas de peça. Olhares atentos, muitos casacos e há quem se arrisque a cantar o "Na Carreira" junto conosco ou nos ajudar no "Samba de Shakespeare" com palmas. Se divertem. E isso nós do elenco sentimos porque nos faz muito bem. Porém sabemos que podemos oferecer mais. Este "empate" que diverte quem nos assiste pode muito bem voltar a ser uma goleada. Que venha as outras quatro noites.

Mar adentro.

"Eia, homem. Vamos, vamos!"

OS CAVALEIROS

terça-feira, 5 de julho de 2011

sobre desancorar; levantar voo; ganhar a estrada, os trilhos ou..

(Pensei em compartilhar aqui algumas das experiências destes sete dias de temporada com a peça A VIAGEM DE THESPIS, do curso de graduação em Teatro/EBA/UFMG, dirigido por Antônio Hildebrando. Tem sido um processo tão rico que é impossível deixar passar batida esta vontade de escrever sobre. E é um tanto quanto retornar às origens também: Desde quando blog existe tem gente fazendo diário virtual por aí. Sem o famoso "querido diário" lá vou eu!)

...Estrear (e bonito) o espetáculo "A Viagem de Thespis".
Na noite de (antes de) ontem iniciamos nossa jornada de sete apresentações do trabalho que desenvolvemos durante estes [quase] quatro meses na graduação em Teatro/EBA/UFMG.
Este primeiro encontro com o público foi uma experiência incrível. Rara. Divertida. Nervosa [não negamos] mas, ainda sim, em festa, celebrando.
Quando iniciamos o processo tínhamos um imenso desafio pela frente: levantar uma peça multimídia, com muita gente em cena, nenhum dinheiro em caixa, um espaço ao ar livre com uma pedra no meio [que até então servia como retorno no estacionamento da escola] e muita vontade. Agregamos gente de vários cursos, lugares, grupos e, até mesmo, outro país. Ainda no domingo passado, véspera da estreia, dia de fazer um ensaio geral, vários destes "perrengues" continuavam nos assombrando: "é muita gente! cadê a projeção? faltou luz naquela cena! Vocês erraram o 4º acorde da terceira estrofe do "Na Carreira"! Volta tudo. Começa de novo. Meu Deus do céu, onde é que eu coloquei o meu figurino? Minha mãe vem. A minha avó também. De onde? Piratininga. Cordova. Projetem: vídeos, fotos, lâminas, a voz. A gente não te escuta. Sua cena é longa. Só amanhã veremos o espetáculo de verdade. Ver se ele funciona. Amanhã? Amanhã! Amanhã..."
E aí o tal "amanhã" chegou camuflado de segunda-feira, com o 4 de julho estampado na testa. Hora de estrear: 20 horas, em ponto.
Muita gente compareceu neste primeiro dia. Familiares, amigos, parceiros, os nossos colegas de curso, os outros professores e um homem de preto, em meio aos personagens gregos durante nosso "início". Alguns disseram que era Caronte. Outros, apenas que receberam ordens e orientações deste. Pairava o mistério. Enquanto isso, alguém indagava "Cadê o Hilde, gente?"
E o que torna tudo muito especial é que, de fato, toda esta "viagem" funcionou . Vários elementos que não haviam dado as caras nem nos ensaios gerais a gente, tanto do elenco, quanto da técnica, viu, pela primeira vez, durante o espetáculo.
Foram duas horas de peça ao ar livre, com muita música, cena aqui e acolá, dança, mais música e um frio de espantar o público. E isso [coitado do frio!] ele não conseguiu. A plateia embarcou conosco e não arredou pé: Recebeu com carinho e entusiasmo o que estávamos oferecendo.
Agora, que estamos a deriva, é ir ajustando os pontos daqui, outros dali.
Avante, viajantes.

"A cabeça já saiu!"
CÉSAR, Júlio.