Madrugada, quase duas da manhã. Luzes apagadas. Portas e janelas devidamente trancadas e conferidas. O casal Magalhães acaba de chegar de um romântico e agradável jantar de bodas. Quatorze anos juntos, tinham de comemorar afinal. Dona Vera quem escolheu o restaurante. Jantaram recordando todos os momentos felizes e deram risadas dos tempos de crise. Chegaram em casa com a sensação de que faltava algo para completar a noite. Pensaram (aos beijos): Amanhã? Sábado. Filho? Dormindo como uma pedra. Seu Álvaro já havia ido conferir e lhe deu um beijo de boa noite. Xandinho nem se mexeu. Dormia com a boca aberta, babando. “Deve ter dado um baita trabalho pra dona Bertha hoje, coitada!”.
Beija aqui, beija ali e caem na cama, aos risos. Dona Vera sente cócegas quando seu Álvaro lhe beija os pés e vai subindo, subindo, subindo...E encontra novamente a boca dela que lhe dá um beijo “sufocante”. Ambiente e clima todo preparado. Ao fundo, bem baixinho, uma música suave (a de quando o casal se conheceu) rodando no home theather. E um “Ai, amorzinho” pra cá e um “Ui, meu lobo mal, vem me atacar!” pra lá quando uma terceira voz, nada conveniente, ressoa:
— Você disse que me acordava assim que chegassem pra gente continuar jogando pai! Não honra sua palavra não, é?
Seu Álvaro saltou de cima de dona Vera que ocultou o corpo quase nu sob o lençol. Ela, pálida, quase sem ar. Ele gaguejando, fechando o zíper da calça e com a face vermelha, quase explodindo de constrangimento. Xandinho parado na porta, impassível, esperando uma explicação do pai.
— Você não estava dormindo menino? – perguntou o pai, recompondo-se desastradamente.
— Cochilando papai, cochilando. E não sou eu quem deve dar explicações por aqui. – lançou um olhar para mãe e lhe deu um sorriso meigo. – Bom dia mamãe! Como foi o jantar?
— Bom...Bom... di-dia meu filho!
— Olha se isso é hora de estar pensando em joguinho de computador moleque? Vá já pra sua cama Xandinho e aprenda a bater na porta antes de entrar! – grunhiu seu Álvaro. – Que mania feia de entrar sem pedir licença!
— Que mania feia prometer e não cumprir. – disse o menino.
— Ah! Vá!
— Amanhã o senhor acaba o jogo comigo?
— Acabo meu filho, mas amanhã. Agora vai pro seu quarto e durma. Entendeu? Durma. Caia de bode. Apague. Finja de morto.
— Agora perdi o sono. Estou muito agitado e quando estou agitado não consigo dormir.
— Quê? – indagou a mãe cética ao que acabava de ouvir sair da boca do filho.
— Isso mesmo! Dona Bertha disse que quando estou agitado não consigo dormir e esta situação me deixou um tanto quanto tenso. Papai mente muito, mamãe. Todo dia arranja uma desculpa e nunca brinca comigo. Hoje foi a gota d’água!
— Onde esse menino aprendeu a falar assim? – seu Álvaro surpreendido.
— Ando lendo muito papai.
— Eu avisei que era melhor dar uma bola de presente pro menino, mas você Vera, sempre discordando achou melhor dar uma coleção de livros. Deu nisso!
— Ah! Me poupe Álvaro.
— Mamãe, posso ficar aqui com vocês? Isto é, se eu não estiver atrapalhando nada...
— Não! Claro que não está atrapalhando nada Xandinho. Papai e eu já íamos mesmo dormir.
— Dormir? Conta outra. Acham que eu não sei o que estavam prestes a fazer? Iam fazer festinha!
Silêncio mortal. Pai olha pra mãe que olha pro filho.
— Que foi gente? Eu já tenho treze anos! Pensam que eu ainda acredito que a cegonha me trouxe?
— Temos que cortar a internet!
— E a televisão depois das dez!
— Não adianta. Aprendo tudo na escola.
— Tudo o quê?
— Tudo sobre sexo, pai. Vocês sempre tão quadrados.Deviam ser mais abertos ao diálogo.
— Vera, segunda mesmo você vai à escola conversar com essa professora pervertida. Onde já se viu? O nosso Xandinho...
— Álvaro!
— Vera!
— Pai!
— Os tempos mudaram, benzinho.
— O menino tem treze anos, Vera!
— Olha, é bom saber que vocês ainda têm vida sexual ativa. A mãe do Carlos já entrou na menopausa e vive com dor de cabeça.O pai dele tem de ir procurar mulher na rua.
— Segunda vou à escola, Álvaro. Sua professora também disse isso?
— Não. Falamos sobre isso depois da aula. Eu e os caras!
— Seu eu falasse uma coisa dessas com meu pai eu ficava banguela. Mais respeito, Alexandre!
— Gente, sexo é uma coisa tão normal. Sadia. Necessária.
— Mas não é para o seu bico, moleque!
— Eu já até tenho uma camisinha. Escondida na gaveta! Vai que um dia eu precise...
— Álvaro!
— Alexandre! – o pai lançou um olhar fulminante para o filho. – Já chega! – e, por fim, começaram a rir. – Meu filho já um rapazinho.
— E bem informado! Estou orgulhosa.
— Mas não é pra você saí por aí fazendo “festinha”. É muito, muito novo! - disse o pai. – Tem que arranjar uma pessoa legal, que também queira, criar compromisso e depois pensar no assunto, entendeu? Tem que respeitar a pessoa e os sentimentos dela.
— E revista de mulher pelada? Posso ter?
— Menino! – exclamou a mãe.
— Desde que não deixe ao alcance da sua mãe. – disse o pai, cochichando para o garoto, aos risos. – Mas ainda acho que você é novo pra ter sua coleção de Play Boy! Espera mais uns anos...enquanto isso continue nos joguinhos do computador. Agora vai pra sua cama...
— Ah não, mamãe disse que eu podia ficar! Deixa pra vocês fazerem o que iam fazer amanhã.
— Xandinho!
Dona Vera lançou um olhar para seu Álvaro que dizia “Concorde ou agüente as conseqüências!”. Deitou-se na cama, abraçado com a mãe. Fechou os olhos, sorrindo. Álvaro se deu por vencido. Vera, sem reação. O pai apagou as luzes do quarto e foi se deitar junto com a família.
— Papai, desligue também esta música. Ela me irrita, sabia?
— Você merecia uma surra por ser tão mimado, Xandinho!
— Álvaro!