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quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

DE FRENTE COM XANDINHO

Madrugada, quase duas da manhã. Luzes apagadas. Portas e janelas devidamente trancadas e conferidas. O casal Magalhães acaba de chegar de um romântico e agradável jantar de bodas. Quatorze anos juntos, tinham de comemorar afinal. Dona Vera quem escolheu o restaurante. Jantaram recordando todos os momentos felizes e deram risadas dos tempos de crise. Chegaram em casa com a sensação de que faltava algo para completar a noite. Pensaram (aos beijos): Amanhã? Sábado. Filho? Dormindo como uma pedra. Seu Álvaro já havia ido conferir e lhe deu um beijo de boa noite. Xandinho nem se mexeu. Dormia com a boca aberta, babando. “Deve ter dado um baita trabalho pra dona Bertha hoje, coitada!”.

Beija aqui, beija ali e caem na cama, aos risos. Dona Vera sente cócegas quando seu Álvaro lhe beija os pés e vai subindo, subindo, subindo...E encontra novamente a boca dela que lhe dá um beijo “sufocante”. Ambiente e clima todo preparado. Ao fundo, bem baixinho, uma música suave (a de quando o casal se conheceu) rodando no home theather. E um “Ai, amorzinho” pra cá e um “Ui, meu lobo mal, vem me atacar!” pra lá quando uma terceira voz, nada conveniente, ressoa:

— Você disse que me acordava assim que chegassem pra gente continuar jogando pai! Não honra sua palavra não, é?

Seu Álvaro saltou de cima de dona Vera que ocultou o corpo quase nu sob o lençol. Ela, pálida, quase sem ar. Ele gaguejando, fechando o zíper da calça e com a face vermelha, quase explodindo de constrangimento. Xandinho parado na porta, impassível, esperando uma explicação do pai.

— Você não estava dormindo menino? – perguntou o pai, recompondo-se desastradamente.

— Cochilando papai, cochilando. E não sou eu quem deve dar explicações por aqui. – lançou um olhar para mãe e lhe deu um sorriso meigo. – Bom dia mamãe! Como foi o jantar?

— Bom...Bom... di-dia meu filho!

— Olha se isso é hora de estar pensando em joguinho de computador moleque? Vá já pra sua cama Xandinho e aprenda a bater na porta antes de entrar! – grunhiu seu Álvaro. – Que mania feia de entrar sem pedir licença!

— Que mania feia prometer e não cumprir. – disse o menino.

— Ah! Vá!

— Amanhã o senhor acaba o jogo comigo?

— Acabo meu filho, mas amanhã. Agora vai pro seu quarto e durma. Entendeu? Durma. Caia de bode. Apague. Finja de morto.

— Agora perdi o sono. Estou muito agitado e quando estou agitado não consigo dormir.

— Quê? – indagou a mãe cética ao que acabava de ouvir sair da boca do filho.

— Isso mesmo! Dona Bertha disse que quando estou agitado não consigo dormir e esta situação me deixou um tanto quanto tenso. Papai mente muito, mamãe. Todo dia arranja uma desculpa e nunca brinca comigo. Hoje foi a gota d’água!

— Onde esse menino aprendeu a falar assim? – seu Álvaro surpreendido.

— Ando lendo muito papai.

— Eu avisei que era melhor dar uma bola de presente pro menino, mas você Vera, sempre discordando achou melhor dar uma coleção de livros. Deu nisso!

— Ah! Me poupe Álvaro.

— Mamãe, posso ficar aqui com vocês? Isto é, se eu não estiver atrapalhando nada...

— Não! Claro que não está atrapalhando nada Xandinho. Papai e eu já íamos mesmo dormir.

— Dormir? Conta outra. Acham que eu não sei o que estavam prestes a fazer? Iam fazer festinha!

Silêncio mortal. Pai olha pra mãe que olha pro filho.

— Que foi gente? Eu já tenho treze anos! Pensam que eu ainda acredito que a cegonha me trouxe?

— Temos que cortar a internet!

— E a televisão depois das dez!

— Não adianta. Aprendo tudo na escola.

— Tudo o quê?

— Tudo sobre sexo, pai. Vocês sempre tão quadrados.Deviam ser mais abertos ao diálogo.

— Vera, segunda mesmo você vai à escola conversar com essa professora pervertida. Onde já se viu? O nosso Xandinho...

— Álvaro!

— Vera!

— Pai!

— Os tempos mudaram, benzinho.

— O menino tem treze anos, Vera!

— Olha, é bom saber que vocês ainda têm vida sexual ativa. A mãe do Carlos já entrou na menopausa e vive com dor de cabeça.O pai dele tem de ir procurar mulher na rua.

— Segunda vou à escola, Álvaro. Sua professora também disse isso?

— Não. Falamos sobre isso depois da aula. Eu e os caras!

— Seu eu falasse uma coisa dessas com meu pai eu ficava banguela. Mais respeito, Alexandre!

— Gente, sexo é uma coisa tão normal. Sadia. Necessária.

— Mas não é para o seu bico, moleque!

— Eu já até tenho uma camisinha. Escondida na gaveta! Vai que um dia eu precise...

— Álvaro!

— Alexandre! – o pai lançou um olhar fulminante para o filho. – Já chega! – e, por fim, começaram a rir. – Meu filho já um rapazinho.

— E bem informado! Estou orgulhosa.

— Mas não é pra você saí por aí fazendo “festinha”. É muito, muito novo! - disse o pai. – Tem que arranjar uma pessoa legal, que também queira, criar compromisso e depois pensar no assunto, entendeu? Tem que respeitar a pessoa e os sentimentos dela.

— E revista de mulher pelada? Posso ter?

— Menino! – exclamou a mãe.

— Desde que não deixe ao alcance da sua mãe. – disse o pai, cochichando para o garoto, aos risos. – Mas ainda acho que você é novo pra ter sua coleção de Play Boy! Espera mais uns anos...enquanto isso continue nos joguinhos do computador. Agora vai pra sua cama...

— Ah não, mamãe disse que eu podia ficar! Deixa pra vocês fazerem o que iam fazer amanhã.

— Xandinho!

Dona Vera lançou um olhar para seu Álvaro que dizia “Concorde ou agüente as conseqüências!”. Deitou-se na cama, abraçado com a mãe. Fechou os olhos, sorrindo. Álvaro se deu por vencido. Vera, sem reação. O pai apagou as luzes do quarto e foi se deitar junto com a família.

— Papai, desligue também esta música. Ela me irrita, sabia?

— Você merecia uma surra por ser tão mimado, Xandinho!

— Álvaro!