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terça-feira, 11 de agosto de 2009

Quinta Parte

Chegou agora? O começo está logo aí embaixo!
***
Algo me forçou abrir os olhos. Acordei em minha cama, com o coração disparado, suado e nu. A principio não quis me mexer. Minha respiração estava ofegante e eu não queria correr o risco de perder aquelas imagens que ficaram permeando meu sono. Tudo foi tão nítido, tão real que beirava o pálpavel. De repente, senti meu estômago contrair e o máximo que fiz foi tombar minha cabeça para o lado e vomitar. Senti minhas paredes estomacais se encontrarem. Não havia nada dentro dele para expelir. Certamente eu já havia vomitado anteriormente... Estranho: Dormir nu não é do meu costume, ainda mais nestes tempos de frio.
***
-- Nãooooo! - eu berrei. - Não pode ser!
Pedro me olhava fixamente. Sim, havia medo no olhar dele. Eu o deixei tenso.
-- Abaixa esta arma, Tiago! Vamos conversar.
-- Não pode ser, Pedro. - eu disse, com um falso sofrimento. -- Lhe dou uma chance de me falar algo e você vem brincar com a minha cara mais uma vez? Mexer com o meu eu sentimental?Blefar pra cima de mim? O que você pensa que eu sou? Heim? Responde, caralho!
-- Não é brincadeira.
-- A merda, Pedro! Estive com ele não faz duas horas. O professor, a esta altura, deve estar...hum... Pensemos... Tomanhando um licor, junto a sua senhora, depois de um farto jantar. -- minha voz assumiu um tom infantil. -- Como eles formam um belo casal, aqueles dois.
-- Pára com isso!
Não lhe dei atenção. Prossegui:
-- Pena que você e a Vitória não poderão ter um futuro bonito como o presente dos Abravanel. Pelo menos não em vida. Se eu fosse você passava a acreditar agora em vida eterna, céu, Deus, essas coisas. Acho que vai tornar tudo mais fácil pro seu lado...
***
Meu estômago contraiu mais uma vez. A televisão estava ligada, com o volume no talo. A reporter falava alguma coisa sobre casos de corrupção. Eu não costumo deixar a televisão ligada para dormir. Resolvi abandonar aquela minha inércia e abaixar o volume da tv. Já era o noticiário da noite. Certamente eu dormira o dia inteiro.
***
-- Pára com este sofrimento psicótico. - Ele me disse, fazendo sinal com a mão para eu abaixar a arma. - Ela já é sua de novo! Eu a devolvi, pode procurá-la. Vocês se merecem. Agora, abaixa isso!
-- Ela é minha de novo? Pois bem, agora eu que não quero. Não posso aceitar tamanha solidariedade da sua parte. Mas olha pelo lado bom: Pelo menos lá no céu eles devem ter assinalado esta sua tentativa solidária de me fazer o bem. Você vai ter como argumentar antes de ir direto pro inferno.
-- Isso é pra ser engraçado, Tiago?
-- Cadê a ironia, Pedro. Quero você irônico!
-- Abaixa isso, Tiago. Eu preciso lhe falar sobre o professor.
-- Cala a boca, Pedro! Pára. Pára de blefe. Em mim dói o que você fez. Em mim dói o que ela fez. Por que vocês dois? Por que você?
-- Você quem quis assim.
As lágrimas escorriam pelo meus olhos. Tremia freneticamente. Um passo dele e...

***
Tomei um gole de água. Estava com ressaca. Minha boca estava seca. Só uma coisa me deixava daquele jeito: vinho chileno. Não era hora de analisar qual foi a bebida que me embriagou na noite anterior. Precisava ligar para o Pedro e contar meu sonho maluco. Ele e Vitória ririam horrores da minha história.
***
-- Cara, abaixa este revólver.
-- Não!
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Voltei para o quarto em busca do meu celular. Ao lado da minha cama estavam as roupas que, certamente, eu usara no dia anterior. Sempre carrego meu celular no bolso da jaqueta.
***
-- Mais vinho na minha taça! Antes de tudo quero fazer um último brinde!
***
Alguém começou a esmurrar a minha porta.
***
Sob a mira da minha arma, o Pedro me trouxe mais vinho.
-- Quer saber, Tiago? Esta sua ceninha em nada me comove.
-- Ah, não?! - tomei um gole do vinho.
-- Não. E sabe por que?
-- Prefiro que você me conte.
-- Porque eu não consigo enxergar em você nenhum sentimento pela Vitória. Nem agora, nem antes. E se você algum dia sofreu de verdade não foi mais que merecido.
-- Então você não consegue enxergar? Quem sabe isso não lhe ajude?
Repousei a taça em algum móvel. Fui acometido de uma frieza terrível. Movimentei meu dedo no gatilho três vezes. A blusa branca do meu melhor amigo foi, aos poucos, sendo manchanda com um vermelho vivo, no lado esquerdo do peito.
***
Minha jaqueta estava pesada. Havia alguma coisa fria e metálica no bolso onde carrego o meu celular.
Alguém esmurrava a minha porta.
Na tv, uma última notícia era dada e pude escutá-la da sala, enquanto me dirigia para atender o infeliz lá fora:
"O corpo do professor Benjamim Abravanel será sepultado amanhã a tarde, ao lado do corpo do seu filho, Pedro Abravanel, ambos assassinados ontem."
Olhei pelo olho mágico da porta.
Uma dor aguda parecia perfurar meu cérebro. Fechei os olhos e revivi cada passo meu, na noite anterior.
As batidas se tornaram mais fortes. Vozes vieram lá de fora, ordenando que eu abrisse. Senti, mais uma vez, uma contração no meu estômago.
E tudo era muito real; palpável. Fato consumado.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quarta parte

Chegou agora? Leia de baixo pra cima, para se situar!

***

-- Você é o culpado por tudo isso, Tiago!

-- Cala sua boca!

-- Eu não lhe entendo. Foi você quem fez as opções que fizeram a vida tomar este rumo.

-- Se eu estivesse atrás de entendimento teria ido a um psicólogo.

Pedro fixou seu olhar em mim.

-- Você não veio aqui pra me visitar, não é?

-- É o que parece?

-- Tão pouco para ver a Vitória...

-- Estamos começando a entender o joguinho, Pedro!

-- O que você veio fazer aqui, Tiago?

-- Ah! Tava tão bom! Continue, Pedro!

Pela primeira vez eu quem dominava a situação. O risinho cínicio havia sumido do rosto dele. Percebi também uma certa apreensão na sua voz . Coisa demais para alguém que só sabia variar para o tom irônico.

-- Fala logo, cacete!

-- Eu não quero falar, Pedrão! Quero fazer a linha psicopata.

-- Babaca.

-- Isso, assim! Vamos... Continue. E olha que eu ainda nem lhe mostrei o principal.

-- O que será o principal, Tiago? Uma arminha?!

Pedrou soltou uma sonora, porém nervosa, gargalhada.

-- Mas como você é óbvio.

-- Ás vezes é na obviedade que se encontra o acerto.

-- É? E essa frase? Pesquisou na internet antes de vim pra cá, bancar o psicopata?

-- Íncrivel sua incapacidade de sentir o risco que corre, Pedro.

-- Talvez seja porque ele não exista. - ele disse. E num passe seu rosto voltou a estampar o velho sorrisinho.


Minha mão sacou a arma, que até então estava presa no cós da minha calça. Apontei instintivamente para a cabeça dele.


-- E agora? Será que isso serve de estímulo para os seus instintos?


Ele engoliu seco.


-- Me parece que você queria falar muito comigo, Pedro. Pelo menos foi o que você me disse quando eu cheguei. Estou todo ouvido.

Puxei uma cadeira que ficava no pé da cama e me sentei.

-- Faça o mesmo! - ordenei.

Ele, vagarosamente, abaixou-se e sentou no chão, com o olhar fixo na arma.

-- Achei que gostaria de saber, Tiago. - ele me disse.

-- Saber o que, carissímo?

-- Que o professor Benjamim foi assassinado! - a voz de Pedro transbordou firmeza com esta exclamação. -- E que o próximo da lista deles sou eu.

domingo, 2 de agosto de 2009

Terceira parte

(Chegou agora? Leia de cima pra baixo, caso se interesse pelo que está acontecendo por aqui!)
***
A porta do quarto estava entreaberta. Tomei cuidado para abri-la sem que ela fizesse o habitual rangido que me denunciaria. Se bem que, a esta altura, pouco me importava com a hipótese do Pedro me pegar aqui. Melhor que ele viesse atrás de mim e aí sim a festa ficaria completa: Nós três reunidos no cômodo onde os pombinhos deviam dar sonoras gargalhadas com piadas sobre mim, depois de desfrutarem dos prazeres sexuais. Por um instante imaginei Vitória elogiando o desempenho dele e, em seguida, caçoando do meu, comparando-o negativamente. Será que eu pelo menos na cama a satisfazia ? Que tolice! Mesquinharia de ultima hora. Reflexão tardia. Ela já não era minha, mas dele. E fui eu quem a entreguei de bandeja para o tal Pedro. Meu único e melhor amigo que vinha de lugar nenhum, atrás de coisa alguma.
-- Ela não está aqui, Tiago! - quase tive um ataque do coração quando percebi a presença dele atrás de mim, no pequeno corredor.
De fato: Os pensamentos pareciam ter me cegado. Abri a porta, liguei a luz do cômodo e contemplei, mas não tinha dado por mim até o momento que o Pedro apareceu.
-- Onde ela está?
-- Na casa dos pais dela, caso tenha sorte.
A cama estava feita e o quarto surpreendentemente arrumado. Com certeza ela quem havia colocado ordem nas coisas. Não! Não era o momento de ficar maquinando histórinhas. Ele ainda não havia me dito onde ela estava com certeza.
-- Caso tenha sorte?
-- Me parece que o pai dela não a queria nunca mais sob o teto dele.
-- E por que ela não está aqui?
-- Porque aqui não é mais o lugar dela. Aliás: nunca foi.
Pedro me entregou outra taça de vinho transbordando. O cheiro quase me fez vomitar. Meus músculos formigavam e eu tremia por dentro.
-- Fala logo, cacete! Ela estava vivendo aqui, com você!
-- Estava. A mandei embora. Aqui não é lugar pra ela. Não ao meu lado.
-- Filho de uma puta!
-- O que há, Tiago? - Pedro perguntou, me encarando. -- Eis aí uma realização de um sonho, não? Ela não tá mais comigo! Do jeito que você tanto desejou.
-- Desejei o escambau.
Ele riu-se.
-- O escambau! - a gargalhada dele adquiriu um ar irônico, como sempre. -- Fala que não, Tiago! Fala! Me diz que eu estou enganado, mas me convença. Do contrário terei a certeza de que você não passa de um ressentido.
Não consegui falar. A voz me traía, junto com o corpo que se imobilizara, não permitindo que eu sacasse a arma e fizesse o filho da mãe engolir palavra por palavra; silêncio.
-- Não disse, Tiago? Pronto, eis aí o caminho livre. Não pense que eu ficarei doído. Não tenho o intuito de prestar solidariedade a ninguém. Não estou querendo lhe dar um prêmio de consolação. Não é do meu feitio.
Pedro tomou um gole do seu vinho. E eu não sabia o que fazer para me livrar daquela situação estática, sem voz, sem vontade, mas ainda sim capaz de odiar ainda mais aquele miserável que mantinha o tom de voz calmo, ao mesmo tempo que irônico, para falar comigo.

sábado, 1 de agosto de 2009

Segunda Parte


Bati a campainha. Aguardei por um instante. Talvez ele estivesse se recompondo. Colocando pelo menos a calça para parecer decente. Bati outra vez. Se estivessem fazendo algo que parassem agora. Quando ia bater pela terceira vez escutei um barulho vindo do lado de dentro do apartamento. Alguém estava se aproximando da porta. Não, eu não devo! Impulsos percorreram todo meu corpo na tentativa de me afastar dali. Ir embora. Sumir. Deixar que eles fossem felizes. Mandar postais no natal. Ligar nos aniversários. Conter minha ira, inveja, ciúmes, o escambau, mas não acabar com nossas vidas ali, sem levar em consideração o que elas poderian ainda nos oferecer. Éramos tão jovens. Não valia a pena.
Eu sou um fraco de merda!
-- Ah, é você!
Pedro quem abriu a porta.
-- Por que? - eu perguntei.
-- Por que o que? - ele retrucou.
-- Por que a surpresa?
-- Por nada, ora! Você tem a chave daqui, não tem?
-- Perdi.
-- Desastrado! Devia ter mais cuidado com suas coisas, ô cabeça de vento!
-- Você acha? - eu perguntei, contendo o ódio. Minha voz tremia.
-- Tenho certeza. Senta aí!
Se fosse um outro animal já teria sentido o perigo que lhe aguardava. Pedro foi até a cozinha. Não ouvi barulho algum vindo de dentro. Será que ela já estava dormindo?
-- Queria mesmo falar com você! - ele me disse, enquanto voltava da cozinha com duas taças cheias de vinho. -- Toma isso aí! Sobrou de ontem. Comprei duas garrafas, mas não tomei nenhuma.
-- A Vitória adora vinho! - eu disse, trêmulo.
-- Sim. Eu sei.
-- Melhor então chamá-la aqui!
-- Melhor não.
-- Ela está dormindo?
-- Não sei.
-- Como não sabe?
-- Que que você tem?
-- O que eu tenho?
-- Cê tá branco!
-- Eu sou branco!
-- Não como alguém que perdeu todo o sangue do corpo. - disse ele, rindo-se.
-- E a Vitória?
-- Por que o interesse?
-- Não sei! Ás vezes fico assim: interessado em coisas alheias.
-- Mas ela não é uma coisa alheia, Tiago.
Filho de uma mãe! Devia der lhe dado pelo menos dois tiros. Nem que fossem no pé! Só para não dar-lhe a oportunidade de manter aquele sorriso cínico.
-- Você a ama, não ama?
-- E te importa?
-- Vai ver que sim, não é? As coisas que dizem a respeito a minha namorada são do meu interesse. Você não concorda comigo:
-- Isso é uma provocação, Pedro?
-- Uma constatação, Tiago!
-- Onde ela está?
-- Então você veio atrás dela?
-- Isso te diverte, não é?
-- Confesso que um pouco! - ele deu uma última golada em seu vinho. Quando dei por mim estávamos nós dois, sentados no chão frio, encostados cada um em uma parede, de frente para o outro. A tensão crescia no meu peito, onde o coração saltitava.
-- Quem você pensa que é, Pedro? - eu perguntei. Senti que minha boca estava seca como nunca e não havia mais vinho na minha taça.
-- O cara que lhe trará mais vinho! Me divirto com você, meu irmão!
Pedro pegou minha taça e foi novamente para a cozinha, buscar mais vinho. O apartamento não era grande. Um quarto, uma cozinha pequena, um banheiro e uma sala. O suficiente para um rapaz que vivia sozinho na capital para poder estudar. Nunca soube muito da família ou da história dele. De certo, eu continuaria minha vida inteira sem saber porque tinha convicção de que, depois daquela noite, o Pedro não contaria mais nenhuma história nem a mim nem a ninguém.

Já estava demorando demais para fazer aquilo que, na minha cabeça, parecia tão simples.