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quinta-feira, 8 de março de 2018

comoveu-se dentro do ônibus 
parado
observando a moça da lotação
ao lado
dormir como quem dorme 
suas todas horas mal dormidas
de bochecha, sobrancelha de henna e tudo mais
colados
no vidro do ônibus 
lotado
numa qualquer avenida dessas
onde se pá
ninguém atravessa
nada se move
na faixa exclusiva
das oito horas e vinte minutos
horário esse 
combinado
por toda cidade 
para atravessar 
preguiçosa
rumo aos endereços 
mapeados
no outro extremo municipal.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Quinta feira

Eu pensei nessas palavras, assim, no meio da tarde sentindo a secura desses dias a cada inspiração mal dada. Eu pensei nessas palavras, assim, no meio da tarde, quando me distraí por uma fração de instante e derrapei no correr das horas. É preciso estar atento! Os ponteiros (não sei se você já sabe) agora contam dois minutos em um e andamos todos pela metade. Eu pensei nessas palavras, assim, no meio da tarde e, no momento seguinte, eu já me perguntava “por que não as escrevo agora?”, na minha agenda, no meu caderno de rascunho, num canto qualquer de papel, numa folha em branco?! “ E depois de escritas, por que não coloco essa folha, com todas as palavras, em um envelope e escrevo nele o seu nome, ponho seu endereço, seguido pelo CEP da sua rua e também o meu nome, no lado contrário, “rua boaventura, 301, Indaiá, Belo Horizonte, Minas Gerais” e na sequência os números do meu cep e depois disso entrego tudo selado e carimbado no guichê de alguma agência dos correios. Sim, por que não? "Eu poderia, também, ter dado notícia de cada uma dessas palavras mais tarde." Sim, por que não? Com a voz firme, limpa, como quando ensaiada... Mas, nessa mexida, eu já estava enrolado no meio de tantos "por que não?" Eu pensei nessas palavras e no começo elas pareciam muito simples. Era como desejar “boa tarde”. Era como falar “até logo” ou então falar mal dessa política e dos seus maus políticos. Era como falar do tempo ou do frio ou do calor que faz lá fora agora com estranhos em um elevador. Era como responder “presente” na hora da chamada. Era como falar o meu nome... Digo. O meu nome não, ele não é muito simples. Era como falar o seu, então – Vish! Isso também não. Calma! Era para ser simples como... Como? As palavras agora dizem... É preciso escutá-las. (NÃO eu não direi isso eu não tenho coragem de escrever isso aqui agora assim eu não tenho eu sei que é isso mas não direi nem nessa nem noutras línguas nem morto gritando elas estão gritando agora as palavras calma eu não posso calma não grita e abaixa essa sua falta de vírgula a gente pode resolver isso sem maiores complicações vamos nos organizar eu não posso dizer isso eu não direi isso vocês me prometeram eu estou cumprindo a minha parte e escrevendo cada uma de vocês vamos negociar isso aí tira essa vírgula tira esse acento tira esse ponto final eu não vou complexificar eu não vou construir uma metáfora eu não quero pode tirar o cavalinho de vocês da chuva sem figuras de linguagem simples palavras simples sem rima quem aqui está rimando eu não estou rimando olha que eu interrompo aqui agora e.) (Posso continuar? Eu vou continuar.) Eu juro! Essas palavras, quando as pensei, pareciam um convite. Elas me pareceram confortantes. Elas me pareceram diferentes de todas as palavras cansadas que tanto tenho falado e escutado nesses últimos dias. E que certamente também você ouve e fala. Foram elas que me contaram que antes quiseram ser um abraço desses bons abraços. Quiseram também ser música, mas desistiram ao me ouvir cantar no banho mais cedo. Cogitaram ser um beijo. Ou dois. Ou três. Ou uma penca de perder as contas de beijo e tudo que um beijo atrás do outro pode fazer. Uma mão na sua cabeça, escorrendo pra lá e pra cá, enquanto você insiste em não pegar no sono, elas também cogitaram. Peça de teatro elas descartaram logo de cara! Muito ensaio, muito trabalho, não, agora não. Um manifesto também não. Não que essas palavras não se importem – é o que elas mais fazem: se importar. Elas tinham tudo para ser um poema! Uma piada! E ainda podem ser... Vai depender de quem lê-las agora que, de fato, elas estão aqui, ainda cheias de vontade de se ordenarem numa construção sintática simples que diga: “que bom que você está aqui depois de tanta quinta feira”.

terça-feira, 18 de julho de 2017

o do leminski é melhor

numa hora ou outra
isso ou aquilo outro
o tanto faz ou tanto fez
uma dessas coisa todas
tem tudo pra dar pé

sexta-feira, 16 de junho de 2017

meu coração porta
essa ferida
aberta
num pedaço de tempo muito de tudo ali dentro se aloja.
inflama, infecciona, infla e arde
afloram brotoejas
ao redor
um cheiro!
eu choro
não sou de ferro.
morro de medo
de mim
risonho, olhando a ferida
dando nomes pra ela
- te chamo amor?
- qual nome lhe dou?
- te chamo de que?
morro de medo
de penicilina
É o que digo aos estudados médicos
que assim respondem
quando cumprimentados
pelo bafo das infecções surgidas
ao redor da minha ferida
- benzetacil

é assim que eles tratam
esse mau trato
da gente com a gente
morro de medo.
dessa ferida
dizem que sara
com injeção
eu a rejeito

digo: confio na vida,
no que pode o tempo
mas, bem lá no fundo,
já disse e repito:
eu morro de medo.

sexta-feira, 9 de junho de 2017

Rosa

tem sentimento que escapole 
prematuro
bem cedo ainda 
antes mesmo de 
passarem um café 
pra tomarem juntos
comendo um pedaço
daquela ideia
de bolo
que tiveram antes
de amanhecer.

quinta-feira, 21 de abril de 2016

triste

o desgosto
a palavra
desgasta

sábado, 16 de abril de 2016

esta 
é de quando
te vi
em mim
enterrado
em rasa vala.

no centro da cidade 
recém acordada
(se é que ela hoje dormiu)
te vi 
em mim
enterrado
e que assim seja
saravá.
amém.
amém.
amém.

domingo, 4 de outubro de 2015

frevo por acaso (do Cícero Rosa Lins)

e o que a que gente faz daquela angústia/ (dá aquela angústia!) / e se um dia precisar/ de alguém pra desabar/ de alguém pra desabar/ eu tô por aí/ ..................................................................................................................................................................