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sábado, 14 de março de 2009

O café, o beijo e um sino tocando ao fundo...

O café não estava tão cheio. Algumas nuvens de fumaça pairando no local, Elis cantando "As aparências enganam" e ele ali, meio toco de cigarro acesso entre os dedos, barba por fazer e olhos vermelhos. Ali, em sua mesa, um sanduíche de atum remexido e no cinzeiro alguns tocos de cigarro.

***
Ela entrou no café. Uma refresqueira e os sapatos na mão. Os cabelos desegrenhados, as bochechas ainda com um tom rubro e a respiração ofegante. Sabia que ele estaria ali. Sempre está. De costas para a porta, de preferência, para poder ter tempo de manipular as expressões no seu rosto, mediante ao que ela tinha para dizer, e nunca se mostrar fraco.
-- Você não foi ao aeroporto.
-- Eu sabia que você não entraria no avião. Não iria perder meu tempo.
-- Olha pra mim!
-- Pra que?
-- Pra ver o meu estado.
-- Por que eu deveria?
-- Vira!
-- Você está gritando.
-- Eu te amo.
-- Não tenho tempo pra suas asneiras. A Europa é muito mais interessante do que aqui. Deveria ter ido.
-- Você morreria.
-- Os alpes estão sumindo! Talvez você não terá tempo de vê-los mais. Nem tempo, nem oportunidade.
-- Eu te amo!
-- O ínicio da primavera européia é...
-- Não me trate com indiferença.
-- Não deveria?
-- Sabe que não.
-- Por que você fez isso comigo?
-- Eu te amo!
-- Olha o meu estado!
Ele já estava de pé, exaltado. Os dois se encararam. Os rostos estavam pertos demais. Ela era alta, mas ele conseguia ser maior. Mesmo suada, exalava aquele perfume maravilhoso que ele a dera no natal passado. Todos os sons do café, de repente, desapareceram. As nuvens de fumaça sumiram.
-- Eu te amo!
Ele fechou os olhos.Talvez tenha sido o beijo mais apaixonado dos dois. Não importava as pessoas, a fumaça, o café, nada! Beijaram-se sem pudores. Alguém ao fundo começou a tocar um sino freneticamente. O som cortava o silêncio que o café estava mergulhado. Ele resolveu verificar quem era o maluco que fazia o barulho ali, naquele café de pessoas discretas...
Abriu os olhos e olhou para o lado.
A única coisa que viu foram os números vermelhos do despertador marcando 9:10.
Nunca odiou tanto aquela sineta.
A esta hora o avião já teria partido e ele não havia caído na tentação de ter ido vê-la feliz, ao lado do outro.