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sábado, 26 de dezembro de 2009

Casualidades natalinas

Separaram-se, mas continuavam frequentando os mesmos lugares, conhecedores das mesmas pessoas, amigos dos mesmos amigos. Não se importavam com isso, afinal, estava tudo muito bem entre eles. Ocorre que estava tudo muito fácil, muito bem resolvido, sem mágoas; definitivamente ambos abraçaram a nova vida cordialmente. No entanto, era raro se encontrarem. Aliás, do dia do término até então, noite de natal, os dois ainda não tinham efetivamente se encontrado. Foi na casa do Juca, na sala, antes da ceia, casa lotada, pisca-pisca de várias cores, crianças correndo, chamapagne nas taças, é que os dois trombaram:
-- Ora, ora!
-- Ora, ora!
-- Tava me evitando?
-- Não! - um gole de champagne e... - Era falta de tempo.
-- E agora você tem um tempinho?
-- Agora é noite de natal! - ela riu.
-- Ah, é! Me esqueci.
-- Faz uma cara que eu não te encontro...
-- Pois é! Tô assim, meio perdido desde o dia em que você puf! Se foi...
--...
Ele toma um gole da bebida branca espumante. Ela o imita.
-- Você já foi melhor! - disse ela, divertindo-se.
-- Fraquinha essa não foi?
-- Melosa demais.
-- Mas é sério: eu me perdi de mim.
-- Se quiser te dou um mapa para se encontrar.
-- Ah é?
-- Conheço este território aí de cabo a rabo! Sou capaz desenhá-lo de olhos fechados.
-- Uau!
Risos, espumante.
-- Rezei para não te tirar no amigo oculto!
-- Ah é?
-- Sério.
-- Por que?
-- Porque odeio te dar presentes.
-- Sérgio!
-- Sério! Você é um porre para presentear...
--...
-- Pronto, falei!
-- Eu vou indo...
-- Indo pra onde?
-- Circular!
-- Ah, não vai dizer que uma bobagem dessa te chateou.
-- Não.
-- Não! Ah, não te conheço?
-- Não, Sérgio. Você não me conhece. Dois meses mudam muita coisa.
-- Então o que foi?
-- Isso é uma festa... há outras pessoas, outros amigos...
-- Outros amigos?
-- Sim. Um monte deles. Não consegue ver?
-- E o mapa? Preciso me encontrar antes de meia noite.
-- Ô meu querido: fica pra depois... - e sussurrando completou - agora é noite de natal!
Deu um selinho nele e saiu.
Sérgio foi para um bar depois dali.
Ela foi embora com o amigo oculto. Esta coisa de homem que sabia dar um bom presente era algo interessante demais para acabar depois da brincadeira natalina.

***
-- Eu sou difícil de presentear?
-- Não, Letícia. Toma! Limpa seu nariz.
-- Não quero mais lenço! Merda...
-- Letícia eu tenho de ir...
-- Não, não tem! Não me diga que veio pro meu apartamento achando que ia me comer assim, fácil!
-- Não é que...
-- É que nada, caralho! Senta aí e me dá outro lenço! Por quê ele fez isso? Sabe que eu sou sensível...
-- Letícia... Que bobagem!
-- Bobagem uma pinóia! Sabe o que é ficar sete anos com uma pessoa sendo um tormento para ela, cada vez que uma data especial se aproximava?
-- Não foi isso que ele disse...
-- Conheço aquele merda!
-- Sério, eu preciso ir.
-- Senta!
-- Minha mãe.
-- Sua mãe morreu ano passado, Rodolfo!
-- Ah, é!
-- Eu tô bebada! Não tô com amnésia.
-- Pena!
-- O escambau, Rodolfo. Me dá outro lenço...
***
-- E sabe com quem ela foi embora, Vera? Com o Rodolfo!
-- Não fica preocupado: Ele tem pau pequeno.
-- Sério? Ai, merda!
-- Que foi?
-- Ela gosta!
--...
--...
-- Que foi?
-- Me leva pra casa!
-- Por que, Vera?
-- Porque eu não gosto!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

--Ei, você!
Ela não se dá conta de que estão chamando-a. Aguarda, ansiosa, a mala despontar na esteira.
-- Moça!
Ele se aproxima, ofegante.
-- Você!
Ela se vira para o lado.
-- Um minuto!
Está ainda tentando retomar o ritmo de sua respiração.
-- Pensei que tinha te perdido!
-- Desculpe?!
-- Me dá pelo menos o número do seu telefone.
-- Acho que você está me confundindo.
-- Como?
-- Acho que você está enganado.
-- Eu?
-- Sim.
Ela ri da confusão dele.
-- Claro que não!
Ele a encara.
-- Achei que tínhamos um elo agora.
-- Elo?
A ansiedade dela torna-se irritação. A esteira não mais traz bagagens.
-- Elo sim!
-- O senhor é maluco?
-- Ou a senhora que tem a memória curta?
-- Deixa eu te falar uma coisa: eu viajei doze horas, estou exausta, com fome e acabo de perceber que sem a mala também. Então dá pro senhor se afastar? Tentar ser um pouco mais conveniente?
-- Me admira a senhora estar exausta. Dormiu a viagem inteira.
-- Que?
-- Dormiu a viagem inteira, senhora. E no meu ombro! Estava ao seu lado, dentro do avião.
--Ah-oh! Desculpe-me. É que...eu...tomo remédios e acabo...apagando! Durmo rápido. É...
-- Não tem o que se desculpar
Ela falava rápido, embaraçada..
-- Então: tá tudo certo, não é?
-- É sim!
-- ...
-- ...
-- ...
-- ...
-- Obrigada pelo ombro!
-- Não há de que.
Estranho aquele sujeito.
Alto, grisalho. Um sorriso bobo espalhado na boca. Olhos vidrados na mulher ao seu lado. Voz suave.
-- Já que não temos elo, até...
-- Até!
Ele se vira e parte.
Ela o observa. A distância vai aumentando. Olha novamente para esteira: em vão! Bagagem extraviada. Não tem sorte. Toda vez é assim!

Ele caminha pelo saguão com sua pequena bagagem de mão.
--Ei, você!
Não se dá conta de que o chamam.
-- EI!
Ela o alcança.
-- Ora!
-- Um minuto.
Ela respira ofegante.
-- Cigarro!
-- Parei!
-- Tô tentando.
-- ...
-- ...
-- Está bem?
-- Um pouco melhor.
-- Precisa de algo?
-- Eu ronquei?
-- O que?
-- Ronquei?
-- Não!
-- E babar? Babei?
-- Também não.
-- Ufa!
--...
-- Era isso!
-- Ok.
-- Ok.
-- Passar bem!
-- Passar bem.

Um sorriso dele. Um sorriso dela.

Novamente ela ali, sozinha, no meio da multidão que circula em busca de embarques e desembarques.

"Tenho que parar com estes remédios!"

-- Eu dormiria todas as noites da minha vida com você!
Era com ela que ele estava falando. Na verdade, gritando, do outro lado do saguão do aeroporto.
-- O que?
E novamente ele se aproxima dela.
-- Aceita um café?
-- Tenho uma mala extraviada pra encontrar.
-- E dormir comigo a vida inteira?
-- Depois que encontrar a minha mala.
-- Ficarei aguardando.
-- Tem meu telefone.
-- Eu ligo.
-- Espero.