“(...) Vem, me dê a mão! A gente
agora já não tinha medo. No tempo da maldade, acho que a gente nem tinha
nascido”
Chico Buarque
Maria: Do começo,
João.
João: Quando Maria
me conheceu...
Maria: João já contava
quatro anos de idade...
João: Eu era um
meninão.
Maria: Não me
lembro disso.
João: A mãe que
falou.
Maria: Falou nada,
João.
João: Claro que
falou.
Maria: Falou que
dia?
João: Dia
desses...
Maria: João...!
Respiro e...
João: Tudo de
novo! Do começo, Maria...
Maria: Quando João
me conheceu.
João: Eu já
contava quatro anos de idade.
Maria: João já era
um meninão.
João: Viu? Não
disse?
Maria: Disse o
que?
João: Que eu era
um meninão.
Maria: Disse sem
saber!
João: Claro que eu
sabia.
Maria: Sabia nada,
João. Você só contava quatro anos! E quando a gente conta quatro anos não tem
como depois a gente saber se o que a gente conta de quando tinha quatro anos é
verdade ou coisa da nossa cabeça.
Respiro e...
Maria: Do começo!
Brevíssimo silêncio.
João: As coisas
eram mais simples, Maria.
Maria: Porque você
só contava quatro anos, João.
João: Isso! Foi
quando eu só contava quatro anos que a parteira gritou:
Maria: Corre João,
vem ver a Maria!
João: Você lembra?
Maria: Nadica de
nada! Eu tinha acabado de nascer.
João: E aí eu
corri...
Maria: Correu,
correu, correu!
João: Corri como
nunca tinha corrido na vida.
Maria: Pulou a
cerca do quintal sem ver.
João: Atropelei o
cachorro velho.
Maria: Se estrepou
todo nas roseiras da mãe, mas fez que nem sentiu.
João: Pisei nuns
cinco pés de couve da horta.
Maria: De um salto
só, pulou a janela do quarto da mãe.
João: E lá estava
você
Maria: Pequenininha!
João: Mais
pequenininha do que agora.
Maria: Miudinha,
miudinha, miudinha!
João: A mãe disse
que você veio antes do tempo.
Maria: Disse nada!
João: Disse sim.
Maria: Disse
quando?
João: Dia desses!
Maria: João!
João: Maria veio
antes do tempo. Igual manga verde que despenca do pé antes de amadurecer. Mas
pra mim ela não veio antes do tempo não. Demorou foi é muito pra chegar.
Naquele tempo, que nem faz tanto tempo, nem dormir eu dormia de tanta vontade
de ver a Maria. Ficava sentado, olhando pra mãe, com os olhos de menino aguado.
E eu gostava tanto daquilo. Da mãe, da Maria dentro da mãe e de uma brisa
faceira que passava lá em casa todo fim de tarde e roçava nossos rostos.