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domingo, 28 de abril de 2013

eu escrevo pra você,
queria também assim, sei lá
te preparar um bom café,
eu te sirvo uma xícara,
e você num gole me lê...
'que coisa doce!',
é o que você me diz,
(é assim que eu imagino)
e eu sorrio, 
me empolgo,
até esboço alguma fala,
dos porquês, desta escrita
algo que dê nome aos bois,
pra que não haja nenhuma dúvida,
que sim, você faz morada em mim,
mas aí
me bate um pensamento,
algo que nem um vento sul,
um 'vai que' mais fora de hora
que é meio algo assim
não era sua escrita,seu zé mané,
doce muito doce quase um grude estava
era mesmo este café.

domingo, 21 de abril de 2013

desconfio

espia só! agora a coisa entre os dois mais parece um esconde-esconde...
'bom dia!'
'bom dia!'
'bonito dia...'
'bonito dia.'
'pois é!'
'é o outono'
'e este friozinho...'
'este friozinho...'
(...)
'a gente se fala.'
'a gente se vê.'
'quando eu te vejo?'
'a gente pode marcar...'
'claro.'
'então: vamos marcar...'
'vamos marcar!'
'qualquer dia desses...'
'a gente marca qualquer coisa...'
'um vinho...'
'um vinho!'
'pode ser um cinema também.'
'cinema! adoro cinema.'
'tem aquele filme...'
'qual filme?'
'o que estreou!'
'ah... aquele...'
'pois é. você comentou comigo naquele outro dia... como é mesmo o nome?'
'ah, é um nome duplo... como é que é?... Ah, esquece! a gente não vai lembrar.'
'pois é.'
'então, fica combinado: qualquer dia a gente marca!'
'qualquer dia.'
'maravilha!'
'maravilha!'
'ficamos assim. a gente se vê.'
'a gente se fala'.
e aí, eu olho para estas duas criaturas que se despedem num cruzamento qualquer, no coração da cidade, e concluo a coisa mais óbvia do mundo: falta-lhes uma boa dose de coragem.
mas espera!
um instante: olhe bem nos olhos daqueles dois. Repara naquilo que lembra uma faísca... Isso! Essa coisa que brilha.
sei lá, sei lá...
desconfio que isso é coisa daquele tipo de encantamento que transborda.
e que paralisa.
e que deixa a gente ir só até ali.
passar dali é somente se...
(um mundo de se)
mas a coisa fica refletida nos olhos.
essa coisa que transborda.
sabe como?
pois é.
desconfio...


terça-feira, 16 de abril de 2013

conversa dois

E aí, enfim, chegamos aqui.
"Aqui estamos", você me diz.
"Aqui estamos", então eu repito.
E a gente se encara, se entrega ao silêncio, uns minutos se arrastam e a coragem te toma.
Você me pergunta: "e aí?".
Aí que eu só penso. Ainda não falo. Falar o que? Falar o que eu penso?  
"Você não percebe?", é isso que penso. Penso, e não falo. 
Acendo um cigarro.
"E esse cigarro?", você me pergunta.
"Pois é: novidade!", eu te respondo.
"Desde quando?"
"Desde...", dou a primeira tragada. "agora".
Me engasgo com a fumaça.
"Você odeia cigarro."
Tenho um acesso de tosse. Você  percebe.
"Você não percebe?", eu te pergunto. Dou outra tragada e me engasgo de novo.
"Está errado..."
Você não percebe. Apenas ri.
"O jeito que você está tragando este cigarro..."
Não percebe ou tenta desviar do assunto.
"Está errado."
Apago o cigarro.
"Não nasci pra isso."
"Já desistiu?"
Eu desisti. 
"Deixa que eu te ensino"
"Não. Deixa."
Novamente silêncio.
"E aí?"
"Estamos aqui.", é o que eu respondo.
"Estamos."
"E aí?", sou eu quem pergunto.
"Agora eu percebo."
Eu te encaro. Os minutos se arrastam. Você tosse.
"Agora?"
"Me dá um cigarro."
Te dou um cigarro. Você acende.
"Põe uma música."
Ponho qualquer música.
"Esta!". 
Você dança. Eu observo. Você fuma. 
"Vem."
Eu não vou.
"Vem."
Continuo parado. Que bonito ver você dançar.
"Eu te ensino."
"Odeio cigarro."
"A dançar."
Você me toma pela cintura. Me conduz pela sala. A gente rodopia. Uma, duas, três vezes. Repetimos a música. Os minutos se arrastam. Você fuma o cigarro. Ele numa hora acaba. A música para e a gente se cansa. Olha um para o outro. A madrugada avança. Tem um resto de vinho, água, cerveja e suco também. Inventamos uma janta e rimos dos outros. Rimos de mim. Que foi aquela cena com o cigarro? Coisa mais boba. A janta está boa. Você me sorri. Eu retribuo. Amanhã lavamos esses pratos, arrumamos a cozinha. Do que é que falávamos? Nos entregamos ao cansaço. Estamos quase dormindo e eu ainda replico:
"E aí?"
E aí você me responde:
"Você que não percebe..."
Finalmente dormimos. Por ora, silêncio.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

ali, naquela sala, aqueles dois

reticências.
um mar de reticências.
um mar não porque, às vezes, um mar pode ser pouco.
assim sendo por que não um infinito?
um infinito de reticências.
entre os dois, ali, naquela sala.  
até que 
-- isso foi um suspiro?
eles não se olham. 
outro suspiro.
mais algumas reticências
só mais uma.
agora a última. 
e um ponto. o final.  

sábado, 6 de abril de 2013

conversa um

e agora?
é agora?
meu Deus!
há um instante eu ainda estava...
eu não sei se posso. posso? não tenho muito o que dizer.
na verdade, nada.
quero dizer: tenho uma coisa sim. mas é uma coisa pequena, rápida, dessas que se bobear nem vale a pena. sabe como?
insignificâncias...
é. pois é.
eu acho que ensaiei isso pouco.
este momento. este te encontrar, assim, por acaso, tomando alguma coisa... 
não!
que bobagem eu estou dizendo, meu Deus do céu.
na verdade eu nunca ensaiei isso! imagina se...
imagina eu,
de frente, para o espelho,
dizendo para mim mesmo,
assim, com a cara mais lavada que.
eu.
eu gostaria que você soubesse que.
eu.
no caso o eu do espelho não seria bem eu, até porque eu ele nunca foi. 
- não tem uma coisa meio assim de imagem virtual da gente mesmo? 
eu não sei bem, não entendo muito dessas coisas. - 
só sei que neste caso o eu ali do espelho definitivamente não seria eu.
seria você.
me observando dizer que.
que.
eu.
bem.
é.
como se diz?
digo,
acho que pensei pouco nisso.
minto.
eu pensei muito nisso. muito mesmo.
pensei de dia, de tarde e de noite.
pensei no ônibus, no banho, no almoço.
Via a novela pensando nisso.
lavava a louça pensando nisso.
tive que reler aquele livro,
na verdade,
este livro.
toma! é seu.
tive que lê-lo duas vezes.
porque, na primeira vez, olha que delírio
o que me dizia este amontoado de palavras, pontos e vírgulas 
senão sobre isso?
isso que quando eu pensava se transformava nisso
que me tomava as vistas, a boca, o sexo.
que me fez vir até aqui,
até você
para lhe dizer que.
nada disso!
na verdade, não é nada.
vim só te entregar o livro.
livro bom este seu. gostei da capa.
respiro e então é isso, muito obrigado.
outra hora a gente conversa
já está ficando tarde e eu
assim,
sabe como é
nem tenho o tanto o que dizer
porque nem ensaiei o suficiente
treze vezes de frente para o espelho e duas usando o meu cachorro para fazer o seu papel
não são suficiente
nem se pode chamar isso de ensaio.
dizer que me preparei para 
lhe dizer tudo isso que eu.
gostaria de lhe dizer
de verdade
agora.
e agora?
eu te amo.


(meu cachorro me olha como quem diz: pouca verdade nesta passada. vamos fazer mais uma pra ver se rola?
de novo!)

agora?