Páginas

terça-feira, 16 de abril de 2013

conversa dois

E aí, enfim, chegamos aqui.
"Aqui estamos", você me diz.
"Aqui estamos", então eu repito.
E a gente se encara, se entrega ao silêncio, uns minutos se arrastam e a coragem te toma.
Você me pergunta: "e aí?".
Aí que eu só penso. Ainda não falo. Falar o que? Falar o que eu penso?  
"Você não percebe?", é isso que penso. Penso, e não falo. 
Acendo um cigarro.
"E esse cigarro?", você me pergunta.
"Pois é: novidade!", eu te respondo.
"Desde quando?"
"Desde...", dou a primeira tragada. "agora".
Me engasgo com a fumaça.
"Você odeia cigarro."
Tenho um acesso de tosse. Você  percebe.
"Você não percebe?", eu te pergunto. Dou outra tragada e me engasgo de novo.
"Está errado..."
Você não percebe. Apenas ri.
"O jeito que você está tragando este cigarro..."
Não percebe ou tenta desviar do assunto.
"Está errado."
Apago o cigarro.
"Não nasci pra isso."
"Já desistiu?"
Eu desisti. 
"Deixa que eu te ensino"
"Não. Deixa."
Novamente silêncio.
"E aí?"
"Estamos aqui.", é o que eu respondo.
"Estamos."
"E aí?", sou eu quem pergunto.
"Agora eu percebo."
Eu te encaro. Os minutos se arrastam. Você tosse.
"Agora?"
"Me dá um cigarro."
Te dou um cigarro. Você acende.
"Põe uma música."
Ponho qualquer música.
"Esta!". 
Você dança. Eu observo. Você fuma. 
"Vem."
Eu não vou.
"Vem."
Continuo parado. Que bonito ver você dançar.
"Eu te ensino."
"Odeio cigarro."
"A dançar."
Você me toma pela cintura. Me conduz pela sala. A gente rodopia. Uma, duas, três vezes. Repetimos a música. Os minutos se arrastam. Você fuma o cigarro. Ele numa hora acaba. A música para e a gente se cansa. Olha um para o outro. A madrugada avança. Tem um resto de vinho, água, cerveja e suco também. Inventamos uma janta e rimos dos outros. Rimos de mim. Que foi aquela cena com o cigarro? Coisa mais boba. A janta está boa. Você me sorri. Eu retribuo. Amanhã lavamos esses pratos, arrumamos a cozinha. Do que é que falávamos? Nos entregamos ao cansaço. Estamos quase dormindo e eu ainda replico:
"E aí?"
E aí você me responde:
"Você que não percebe..."
Finalmente dormimos. Por ora, silêncio.

Nenhum comentário: