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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

da janela


domingo, 11 de novembro de 2012

Vá morar com o Sete Pele!



Lourenço trôpego, meio bêbado, no meio do samba, feliz da vida, cercado de gente – leia-se muitas mulheres.
Chega Lindalva, fula da vida.
Lindalva: Eu que não te espero mais, Lourenço.
Lourenço: Que isso Lindalva?
Lindalva: Uma vida cansada de ser desperdiçada do teu lado Lourenço.
Lourenço: Mas não faz isso comigo não, mulher, que eu te amo por demais.
Lindalva: Ama uma pinoia. Me dá um dinheiro pro bonde. Vou pra casa da minha mãe.
Lourenço: Fazer o que lá?
Lindalva: Vou viver de verdade Lourenço.
Lourenço: Vai nada, Lindalva!
Lindalva: Cê vai ver se eu não vou. Me dá aí logo umas moedas, antes que eu vá pedir pra qualquer um aqui e eu te prometo Lourenço que essas moedas  vão pagar bem mais que um muito obrigado.
Lourenço: Não faz isso comigo não, Lindalvinha.
Lindalva: Até macumba eu já fiz pra te tirar dessa vida Lourenço. Já apelei pra tudo que é santo no terreiro, homem.
Lourenço: Ó então é isso. Apela mais um pouco que eu to mesmo sentindo que eu já ando meio mudado.
Lindalva: Ah! Seu desgracento! Minhas moedas...
Lourenço: Te levo lá.
Lindalva: Mas pode ficar aí com suas negas que o caminho da casa da minha mãe minhas pernas sabem de cor.
Lourenço: Então já que é assim que elas vão andando! Não precisa de bonde.
Lindalva: Mas você não diga que eu não avisei.
Lourenço: A pé.
Lindalva: Ô Zé Roberto...
Zé Roberto, um negão dali, amigo de Lourenço, se volta para Lindalva.
Lindalva: Zé Robertinho...
Lourenço: Você deixe de graça.
Lindalva: Quanto é que tu me paga por umas bicotinhas?
Lourenço: Eu te mato, Zé Roberto e depois te mato junto Lindalva.
Lourenço: Ó, mas não sei porque cê pensa que pode triscar as patas em mim só porque eu dei umas bicotinhas no Zé Roberto.
Zé Roberto: Não to te entendo não, ô Lourenço! Aqui a gente tá entre amigo!
Lourenço: Entre amigo uma pinoia negão, tira os olhos da minha mulher.
Lindalva: Minha mulher uma pinoia meu bem. Não mais.
Lourenço: Faz isso comigo não Lindalvinha, hoje foi só um desvio.
Lindalva: Nossa vida foi um desvio, Lourenço. Vai me dar minhas moedas?
Lourenço: Vou é te dar uma outra vida, mulher.
Lindalva: Escutei isso não tem uns três dias.
Lourenço: Mas você não tinha feito a macumba, tinha?
Lindalva: É, pois é, ainda não tinha não.
Lourenço: Por isso. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Prólogo


“(...) Vem, me dê a mão! A gente agora já não tinha medo. No tempo da maldade, acho que a gente nem tinha nascido”
Chico Buarque
Maria: Do começo, João.
João: Quando Maria me conheceu...
Maria: João já contava quatro anos de idade...
João: Eu era um meninão.
Maria: Não me lembro disso.
João: A mãe que falou.
Maria: Falou nada, João.
João: Claro que falou.
Maria: Falou que dia?
João: Dia desses...
Maria: João...!
Respiro e...
João: Tudo de novo! Do começo, Maria...
Maria: Quando João me conheceu.
João: Eu já contava quatro anos de idade.
Maria: João já era um meninão.
João: Viu? Não disse?
Maria: Disse o que?
João: Que eu era um meninão.
Maria: Disse sem saber!
João: Claro que eu sabia.
Maria: Sabia nada, João. Você só contava quatro anos! E quando a gente conta quatro anos não tem como depois a gente saber se o que a gente conta de quando tinha quatro anos é verdade ou coisa da nossa cabeça.
Respiro e...
Maria: Do começo!
Brevíssimo silêncio.
João: As coisas eram mais simples, Maria.
Maria: Porque você só contava quatro anos, João.
João: Isso! Foi quando eu só contava quatro anos que a parteira gritou:
Maria: Corre João, vem ver a Maria!
João: Você lembra?
Maria: Nadica de nada! Eu tinha acabado de nascer.
João: E aí eu corri...
Maria: Correu, correu, correu!
João: Corri como nunca tinha corrido na vida.
Maria: Pulou a cerca do quintal sem ver.
João: Atropelei o cachorro velho.
Maria: Se estrepou todo nas roseiras da mãe, mas fez que nem sentiu.
João: Pisei nuns cinco pés de couve da horta.
Maria: De um salto só, pulou a janela do quarto da mãe.
João: E lá estava você

Maria: Pequenininha!
João: Mais pequenininha do que agora.
Maria: Miudinha, miudinha, miudinha!
João: A mãe disse que você veio antes do tempo.
Maria: Disse nada!
João: Disse sim.
Maria: Disse quando?
João: Dia desses!
Maria: João!
João: Maria veio antes do tempo. Igual manga verde que despenca do pé antes de amadurecer. Mas pra mim ela não veio antes do tempo não. Demorou foi é muito pra chegar. Naquele tempo, que nem faz tanto tempo, nem dormir eu dormia de tanta vontade de ver a Maria. Ficava sentado, olhando pra mãe, com os olhos de menino aguado. E eu gostava tanto daquilo. Da mãe, da Maria dentro da mãe e de uma brisa faceira que passava lá em casa todo fim de tarde e roçava nossos rostos. 

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

#2

João: Tô com tanta sede que beberia um rio!
Maria: Tudo?
João: Tudinho!
Maria: Nossa mãe!
João: Nossa mãe o que?
Maria: É água demais, João!
João: E o que é que tem?
Maria: Você ia ficar com uma barriga do tamanho do mundo!
João: Aí o mundo ia caber em mim! Já pensou?
Maria: Pensou no que?
João: No mundo!
Maria: Eu nunca pensei nisso não.
João: Eu queria devorar o mundo!
Maria: Nossa mãe!
João: Nossa mãe o que?
Maria: Já pensou?
João: Pensou no que?
Maria: Num passarinho!
João: Que é que tem um passarinho?
Maria: É um passarinho que você não devorou quando devorou o mundo!
João: Pior que não vai caber mais nada no meu barrigão!
Maria: Nem o passarinho?
João: Nem ninguém.
Maria: O passarinho é uma passarinha!
João: Mas não cabe também!
Maria: E ela saiu pra buscar comida para os seus pequenos...
João: Que é que eu faço?
Maria: Aí, quando voltou, você tinha devorado o mundo com tudo!
João (preocupado): Até os pequenos!?
Maria: Tudo no seu barrigão!
João: Que é que ela vai fazer?
Maria: Bicar o seu barrigão!
João: Mas não pode não!
Maria: Mas mãe é mãe e você sabe como é!
João: Sei não!
Maria: Então eu vou te contar!
João: Não sei se eu quero saber!
Maria: Ela vai bicar o seu barrigão para tentar salvar os pequenos!
João: E eu vou estar tão grande, mas tão grande, que vou parecer um balão!
Maria: Um balão-zão!
João: Do tamanho do mundo!
Maria: E quando ela der a primeira bicadinha...
João: Não quero saber não!
Maria: Mãe é mãe e você sabe como é!
João: Na primeira bicadinha...
Maria: Era uma vez o balão-zão!
João: Tudo pelos ares.
Maria: Tudo: mundo, barriga e os passarinhos da passarinha!
João: Esse negócio de querer devorar o mundo é muito perigoso. Quero isso mais não!
Maria: Nossa mãe!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

O que?


quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Pilar e Percival

Percival: E o pai?
Pilar: Pai já vem.
Percival: Vem de onde?
Pilar: Vem do lado de lá, primeira esquerda, mais longe um pouquinho, depois da curva, perto da árvore, em cima do morro, que desce na entrada do lugar nenhum.
Percival: Isso é longe?
Pilar: Perto do nunca mais!
Percival: Que é longe?
Pilar: Nem o trem para lá!
Percival: Nem o trem?
Pilar: Coisa nenhuma!
Percival: Nossa Senhora!
Pilar: Essa talvez vá.
Percival: Mas não vai de trem.
Pilar: De trem não.
Percival: Tadinha da santa... vou acender uma vela pra ela.

(...)
Percival: Ela deve andar muito.
Pilar: Deve.
Percival: Já que não vai de trem, ela deve andar dia e noite sem parar.
Pilar: Muito, muito, muito.
Percival: Esta vela é pra alumiar o caminho da santa e seus passos no escurinho desta noite. Amanhã eu acendo outra. E depois, mais outra. Outra...Outra.
Pilar: A santa vai ficar satisfeita com você.
Percival: E o pai?
Pilar: O pai também!
Percival: Mas como é que o pai vai ficar sabendo.
Pilar: A santa conta pra ele.
Percival: A santa conversa com o pai?
Pilar: Deve conversar. O pai é bom de prosa.
Percival: Hum...
Pilar: Agora vai pra sua cama.
Percival: E quantas noites gasta pra chegar lá?
Pilar: Lá onde.
Percival: No lugar onde o pai tá?
Pilar: Disso eu não sei não.
Percival: Você devia saber! Como é que eu vou saber que já não precisa acender vela pra alumiar os caminhos da santa. Nossa Senhora. Vai ser uma confusão das grandes se eu deixar a santa no escuro. 

(...)

sábado, 6 de outubro de 2012

bem pra lá

De certa forma, ele sabia que não haveria outro dia além daquele dia. Por isso, segurou firme a mão dela e juntos correram. Correram, mas correram muito mesmo.  Correram tanto que nenhuma palavra foi capaz de alcançar o coração daqueles dois. (Nenhuma, nenhuma, nenhuma.) Por isso eles, naquele dia, não souberam que nome dar para aquilo que, insistentemente, borboleteava dentro em seus peitos.

domingo, 30 de setembro de 2012

exercício 2


quinta-feira, 27 de setembro de 2012

exercício


A atriz se posiciona no centro do palco. Um foco de luz sobre ela.
A ATRIZ:
Havia uma cidade, senhoras e senhores. Não! Havia não! Há uma cidade, ora bolas. Uma cidade pequena. Pequena mas pequena mesmo! Destas que não adianta procurar no mapa mais completo deste mundo ou de qualquer outro porque ela, esta cidade pequena, não vai estar lá. De tão pequena que ela era. Não adianta também procurá-la por aí, mundo afora, a olho nu. Já tentaram muitas vezes. Eu mesma já tentei. Já tentei inúmeras vezes. E cá estou, para afirmar-lhes que, a olho nu, vocês não a encontrarão. Ora bolas. A primeira casa a direita, na entrada da cidade, é a da dona Gorda. Dona Berta, aliás. Não posso me esquecer de que o seu nome é dona Berta, ora bolas. “Que falta de delicadeza a da senhora! Como assim chamar uma senhora como eu, uma legítima Bragança, de dona Gorda? A senhora deveria ter mais respeito e não um comportamento como o desses moleques, ah! Esses moleques! São muitos os moleques nesta cidade, você não faz ideia. Não faz ideia de como, cada um, me torturam com este tal de “Dona Gorda”. Como assim, apelidar de dona Gorda uma legítima Bragança?’ Ela sempre dizia. Os moleques deveriam ter mais respeito para com ela, ora bolas. Dona Berta morava na primeira casa a direita da cidade. Morava não: mora. Mora nesta cidade que, a olho nu, ninguém podia ver. Nem no mapa mais completo deste mundo, ora bolas. Uma verdadeira Bragança. Já contei quantos são os moleques desta cidade – não eu. A dona Berta. já contei um por um e no total são dezessete. Dezessete moleques que correm pelas ruas da cidade. Minha vontade minha não, da Dona Berta é... Minha vontade – diga dona Berta. Diga para nós qual a sua vontade... (silêncio) Dona Berta?  (silêncio) Dona Berta... Alguém poderia me dar uma ajudinha aqui com a dona Berta?   A senhora podia se levantar deste chão, Dona Berta... Juro  que não vou contar para ninguém que achei o caminho desta cidade. Eles não vão saber, dona Berta, como chegar nesta cidade que, de tão pequena... Dona Berta?!

terça-feira, 20 de março de 2012

dos rascunhos// quase cena//

Abre a cena com ele ali, afundado em uma poltrona. Ela, de fora.

Ela: Falta apenas quinze minutos, Lívio.

Ele: Não me importo.

Ela: Não acredito nisso! Você ainda está aqui, assim!

Ele: ...

Ela: Até quando, Lívio? Até quando?

Ele: Não sei.

Ela: O que é que você está esperando! Vá se vestir.

Ele: Não tenho vontade.

Ela: Vontade?

Ele: É. Não tenho nenhuma.

Ela: Agora não é hora.

Ele: É que fiz uma descoberta.

Ela: Agora não é hora.

Ele: Uma descoberta importante...

Ela: Ligou para Geórgia? Geórgia não perderia isso aqui por nada deste mundo. Você sabe como é Geórgia!

Ele: Gostaria de lhe contar...

Ela: Geórgia é uma daquelas sentimentalóides que se ofende por não ser lembrada. E eu não quero que Geórgia fique ofendida comigo. Não agora. Não que eu faça muita questão dela, mas sabe como são essas coisas. Não quero que ninguém mais se ofenda comigo. Isso serve também para Tereza.

Ele: Acho que agora sim entendi tudo. Esta minha descoberta me fez entender tudo. Nesta altura da vida, veja só, a coisa toda se desvenda para mim assim, simples, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Ela: E Tereza já está sabendo?

Ele: Acredito que sim. Todos já sabem.

Ela: E você continua aqui, assim, sem se vestir? Se Tereza já sabe, logo estará por aí.

Ele: E você sabia?

Ela: Lívio, agora não é hora. Sabe quanto tempo temos?

Ele: Eu sou um homem ridículo!

Ela: Menos de quinze minutos, é certo.

Ele: Deus do céu! Como é bom dizer isso: Eu sou um homem ridículo!

Ela: Se Tereza já sabe, em pouco tempo está aqui. Você sabe muito bem como é a Tereza.

Ele: Isso te incomoda?

Ela: Quero que você se vista.

Ele: Eu sou um homem ridículo.

Ela: Coloque aquele seu terno preto que sua mãe lhe deu. Aquele, que pertencia ao seu pai.

Ele: Isso te incomoda?

Ela: Já estava separado em cima da cama desde ontem.

Ele: Você casada a vida inteira com um homem ridículo!

Ela: Você sabe: se eu fosse guiada pelo meu ponto de vista estético, eu o pegava e o rasgava com minhas próprias mãos.

Ele: Por que não fez?

Ela: Não sei. Mas agora não interessa. Passou. Até acho que aquele terno preto, ridículo, fedendo a naftalina, lhe cai bem.

Ele: Quem diria!

Ela: Pois é, meu querido.

Ele: Você era tão linda, Áurea.

Ela: Ontem...

Ele: Tão linda.

Ela: Quando eu vi aquele pedaço de pano velho em cima da cama...

Ele: O que é que passou pela sua cabeça?

Ela: “Isso só pode ser provocação!” eu pensei.

Ele: Não deve ter sido amor...

Ela: Mas aí, me acostumei.

Ele: Nunca foi amor.

Ela: Sentei na cama e fiquei olhando aquele terno preto, dado pela sua mãe, que era do seu pai e pensei: é assim. As coisas serão sempre assim.

Ele: Vou colocar uma música.../

Ela: Da senhora Betânia você não se esqueceu, esqueceu?

Ele: Uma música triste para deixar tudo mais triste.

Ela: Você sempre se esquece da Betânia!

Ele: Alguma sugestão?

Ela: Que implicância com a Betânia você tem, Lívio.

Ele: Uma sugestão, Áurea.

Ela: O que é que você está fazendo Lívio?

Ele: Uma música triste para deixar tudo mais triste.

Uma música triste para deixar tudo mais triste.

Ela: Sabe quanto tempo falta?

Ele: Geórgia disse que vem. Mamãe disse que ela não perde isso por nada neste mundo.

Ela: Você sempre sendo o motivo dos nossos atrasos, Lívio. Vá se vestir. Tereza já deve estar para chegar.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Agora que estou aqui, como uma atriz que entra em cena sem ter ensaiado, me ocorre que eu deveria ter pensado em alguma coisa, escolhido melhor as palavras e até ensaiado algumas vezes de frente para o espelho caso tivesse sido possível. Mas você sabe como são essas coisas. Ou pelo menos tem cara de saber. Como é mesmo que se diz? Ímpeto. É essa a palavra. Ímpeto. Sempre gostei da sonoridade desta palavra – ímpeto. Foi assim. A vida nem estava assim, como se diz, complicada. Não, não estava. No bar, era só eu me cuidar, me esquivar dos bêbados e servir-lhes o que me pedissem. Bastava. Era simples. Desde que não me colocassem a mão e, no banheiro, acertassem o buraco daquele vaso, me daria por satisfeita. Iria vivendo. Sobrevivendo. E isso bastava. E no fundo é o que todo mundo quer. É o que eu queria. Ficar por ali, como sempre estive. Os copos eu até gostava de lavar e eram muitos. Eu não me importava. Nem de lavar os copos e tão pouco esfregar o chão. Mas o banheiro – pior: o vaso! Ainda faltava aquele objeto sujo. Mais sujo do que o normal. E meu coração saltava pela boca. Não pelo vaso, mas por aquele cartão, no bolso do meu avental. Nome, sobrenome, endereço e telefone fixados. Ímpeto. Sempre achei o som desta palavra muito bonito sem saber que na verdade isso significava deixar aquele vaso como estava, enfiar toda minha vida nesta mala, pegar o primeiro trem e... Você sabe como são essas coisas. Ou pelo menos tem cara de saber.