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sábado, 26 de dezembro de 2009

Casualidades natalinas

Separaram-se, mas continuavam frequentando os mesmos lugares, conhecedores das mesmas pessoas, amigos dos mesmos amigos. Não se importavam com isso, afinal, estava tudo muito bem entre eles. Ocorre que estava tudo muito fácil, muito bem resolvido, sem mágoas; definitivamente ambos abraçaram a nova vida cordialmente. No entanto, era raro se encontrarem. Aliás, do dia do término até então, noite de natal, os dois ainda não tinham efetivamente se encontrado. Foi na casa do Juca, na sala, antes da ceia, casa lotada, pisca-pisca de várias cores, crianças correndo, chamapagne nas taças, é que os dois trombaram:
-- Ora, ora!
-- Ora, ora!
-- Tava me evitando?
-- Não! - um gole de champagne e... - Era falta de tempo.
-- E agora você tem um tempinho?
-- Agora é noite de natal! - ela riu.
-- Ah, é! Me esqueci.
-- Faz uma cara que eu não te encontro...
-- Pois é! Tô assim, meio perdido desde o dia em que você puf! Se foi...
--...
Ele toma um gole da bebida branca espumante. Ela o imita.
-- Você já foi melhor! - disse ela, divertindo-se.
-- Fraquinha essa não foi?
-- Melosa demais.
-- Mas é sério: eu me perdi de mim.
-- Se quiser te dou um mapa para se encontrar.
-- Ah é?
-- Conheço este território aí de cabo a rabo! Sou capaz desenhá-lo de olhos fechados.
-- Uau!
Risos, espumante.
-- Rezei para não te tirar no amigo oculto!
-- Ah é?
-- Sério.
-- Por que?
-- Porque odeio te dar presentes.
-- Sérgio!
-- Sério! Você é um porre para presentear...
--...
-- Pronto, falei!
-- Eu vou indo...
-- Indo pra onde?
-- Circular!
-- Ah, não vai dizer que uma bobagem dessa te chateou.
-- Não.
-- Não! Ah, não te conheço?
-- Não, Sérgio. Você não me conhece. Dois meses mudam muita coisa.
-- Então o que foi?
-- Isso é uma festa... há outras pessoas, outros amigos...
-- Outros amigos?
-- Sim. Um monte deles. Não consegue ver?
-- E o mapa? Preciso me encontrar antes de meia noite.
-- Ô meu querido: fica pra depois... - e sussurrando completou - agora é noite de natal!
Deu um selinho nele e saiu.
Sérgio foi para um bar depois dali.
Ela foi embora com o amigo oculto. Esta coisa de homem que sabia dar um bom presente era algo interessante demais para acabar depois da brincadeira natalina.

***
-- Eu sou difícil de presentear?
-- Não, Letícia. Toma! Limpa seu nariz.
-- Não quero mais lenço! Merda...
-- Letícia eu tenho de ir...
-- Não, não tem! Não me diga que veio pro meu apartamento achando que ia me comer assim, fácil!
-- Não é que...
-- É que nada, caralho! Senta aí e me dá outro lenço! Por quê ele fez isso? Sabe que eu sou sensível...
-- Letícia... Que bobagem!
-- Bobagem uma pinóia! Sabe o que é ficar sete anos com uma pessoa sendo um tormento para ela, cada vez que uma data especial se aproximava?
-- Não foi isso que ele disse...
-- Conheço aquele merda!
-- Sério, eu preciso ir.
-- Senta!
-- Minha mãe.
-- Sua mãe morreu ano passado, Rodolfo!
-- Ah, é!
-- Eu tô bebada! Não tô com amnésia.
-- Pena!
-- O escambau, Rodolfo. Me dá outro lenço...
***
-- E sabe com quem ela foi embora, Vera? Com o Rodolfo!
-- Não fica preocupado: Ele tem pau pequeno.
-- Sério? Ai, merda!
-- Que foi?
-- Ela gosta!
--...
--...
-- Que foi?
-- Me leva pra casa!
-- Por que, Vera?
-- Porque eu não gosto!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

--Ei, você!
Ela não se dá conta de que estão chamando-a. Aguarda, ansiosa, a mala despontar na esteira.
-- Moça!
Ele se aproxima, ofegante.
-- Você!
Ela se vira para o lado.
-- Um minuto!
Está ainda tentando retomar o ritmo de sua respiração.
-- Pensei que tinha te perdido!
-- Desculpe?!
-- Me dá pelo menos o número do seu telefone.
-- Acho que você está me confundindo.
-- Como?
-- Acho que você está enganado.
-- Eu?
-- Sim.
Ela ri da confusão dele.
-- Claro que não!
Ele a encara.
-- Achei que tínhamos um elo agora.
-- Elo?
A ansiedade dela torna-se irritação. A esteira não mais traz bagagens.
-- Elo sim!
-- O senhor é maluco?
-- Ou a senhora que tem a memória curta?
-- Deixa eu te falar uma coisa: eu viajei doze horas, estou exausta, com fome e acabo de perceber que sem a mala também. Então dá pro senhor se afastar? Tentar ser um pouco mais conveniente?
-- Me admira a senhora estar exausta. Dormiu a viagem inteira.
-- Que?
-- Dormiu a viagem inteira, senhora. E no meu ombro! Estava ao seu lado, dentro do avião.
--Ah-oh! Desculpe-me. É que...eu...tomo remédios e acabo...apagando! Durmo rápido. É...
-- Não tem o que se desculpar
Ela falava rápido, embaraçada..
-- Então: tá tudo certo, não é?
-- É sim!
-- ...
-- ...
-- ...
-- ...
-- Obrigada pelo ombro!
-- Não há de que.
Estranho aquele sujeito.
Alto, grisalho. Um sorriso bobo espalhado na boca. Olhos vidrados na mulher ao seu lado. Voz suave.
-- Já que não temos elo, até...
-- Até!
Ele se vira e parte.
Ela o observa. A distância vai aumentando. Olha novamente para esteira: em vão! Bagagem extraviada. Não tem sorte. Toda vez é assim!

Ele caminha pelo saguão com sua pequena bagagem de mão.
--Ei, você!
Não se dá conta de que o chamam.
-- EI!
Ela o alcança.
-- Ora!
-- Um minuto.
Ela respira ofegante.
-- Cigarro!
-- Parei!
-- Tô tentando.
-- ...
-- ...
-- Está bem?
-- Um pouco melhor.
-- Precisa de algo?
-- Eu ronquei?
-- O que?
-- Ronquei?
-- Não!
-- E babar? Babei?
-- Também não.
-- Ufa!
--...
-- Era isso!
-- Ok.
-- Ok.
-- Passar bem!
-- Passar bem.

Um sorriso dele. Um sorriso dela.

Novamente ela ali, sozinha, no meio da multidão que circula em busca de embarques e desembarques.

"Tenho que parar com estes remédios!"

-- Eu dormiria todas as noites da minha vida com você!
Era com ela que ele estava falando. Na verdade, gritando, do outro lado do saguão do aeroporto.
-- O que?
E novamente ele se aproxima dela.
-- Aceita um café?
-- Tenho uma mala extraviada pra encontrar.
-- E dormir comigo a vida inteira?
-- Depois que encontrar a minha mala.
-- Ficarei aguardando.
-- Tem meu telefone.
-- Eu ligo.
-- Espero.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Quinta Parte

Chegou agora? O começo está logo aí embaixo!
***
Algo me forçou abrir os olhos. Acordei em minha cama, com o coração disparado, suado e nu. A principio não quis me mexer. Minha respiração estava ofegante e eu não queria correr o risco de perder aquelas imagens que ficaram permeando meu sono. Tudo foi tão nítido, tão real que beirava o pálpavel. De repente, senti meu estômago contrair e o máximo que fiz foi tombar minha cabeça para o lado e vomitar. Senti minhas paredes estomacais se encontrarem. Não havia nada dentro dele para expelir. Certamente eu já havia vomitado anteriormente... Estranho: Dormir nu não é do meu costume, ainda mais nestes tempos de frio.
***
-- Nãooooo! - eu berrei. - Não pode ser!
Pedro me olhava fixamente. Sim, havia medo no olhar dele. Eu o deixei tenso.
-- Abaixa esta arma, Tiago! Vamos conversar.
-- Não pode ser, Pedro. - eu disse, com um falso sofrimento. -- Lhe dou uma chance de me falar algo e você vem brincar com a minha cara mais uma vez? Mexer com o meu eu sentimental?Blefar pra cima de mim? O que você pensa que eu sou? Heim? Responde, caralho!
-- Não é brincadeira.
-- A merda, Pedro! Estive com ele não faz duas horas. O professor, a esta altura, deve estar...hum... Pensemos... Tomanhando um licor, junto a sua senhora, depois de um farto jantar. -- minha voz assumiu um tom infantil. -- Como eles formam um belo casal, aqueles dois.
-- Pára com isso!
Não lhe dei atenção. Prossegui:
-- Pena que você e a Vitória não poderão ter um futuro bonito como o presente dos Abravanel. Pelo menos não em vida. Se eu fosse você passava a acreditar agora em vida eterna, céu, Deus, essas coisas. Acho que vai tornar tudo mais fácil pro seu lado...
***
Meu estômago contraiu mais uma vez. A televisão estava ligada, com o volume no talo. A reporter falava alguma coisa sobre casos de corrupção. Eu não costumo deixar a televisão ligada para dormir. Resolvi abandonar aquela minha inércia e abaixar o volume da tv. Já era o noticiário da noite. Certamente eu dormira o dia inteiro.
***
-- Pára com este sofrimento psicótico. - Ele me disse, fazendo sinal com a mão para eu abaixar a arma. - Ela já é sua de novo! Eu a devolvi, pode procurá-la. Vocês se merecem. Agora, abaixa isso!
-- Ela é minha de novo? Pois bem, agora eu que não quero. Não posso aceitar tamanha solidariedade da sua parte. Mas olha pelo lado bom: Pelo menos lá no céu eles devem ter assinalado esta sua tentativa solidária de me fazer o bem. Você vai ter como argumentar antes de ir direto pro inferno.
-- Isso é pra ser engraçado, Tiago?
-- Cadê a ironia, Pedro. Quero você irônico!
-- Abaixa isso, Tiago. Eu preciso lhe falar sobre o professor.
-- Cala a boca, Pedro! Pára. Pára de blefe. Em mim dói o que você fez. Em mim dói o que ela fez. Por que vocês dois? Por que você?
-- Você quem quis assim.
As lágrimas escorriam pelo meus olhos. Tremia freneticamente. Um passo dele e...

***
Tomei um gole de água. Estava com ressaca. Minha boca estava seca. Só uma coisa me deixava daquele jeito: vinho chileno. Não era hora de analisar qual foi a bebida que me embriagou na noite anterior. Precisava ligar para o Pedro e contar meu sonho maluco. Ele e Vitória ririam horrores da minha história.
***
-- Cara, abaixa este revólver.
-- Não!
***
Voltei para o quarto em busca do meu celular. Ao lado da minha cama estavam as roupas que, certamente, eu usara no dia anterior. Sempre carrego meu celular no bolso da jaqueta.
***
-- Mais vinho na minha taça! Antes de tudo quero fazer um último brinde!
***
Alguém começou a esmurrar a minha porta.
***
Sob a mira da minha arma, o Pedro me trouxe mais vinho.
-- Quer saber, Tiago? Esta sua ceninha em nada me comove.
-- Ah, não?! - tomei um gole do vinho.
-- Não. E sabe por que?
-- Prefiro que você me conte.
-- Porque eu não consigo enxergar em você nenhum sentimento pela Vitória. Nem agora, nem antes. E se você algum dia sofreu de verdade não foi mais que merecido.
-- Então você não consegue enxergar? Quem sabe isso não lhe ajude?
Repousei a taça em algum móvel. Fui acometido de uma frieza terrível. Movimentei meu dedo no gatilho três vezes. A blusa branca do meu melhor amigo foi, aos poucos, sendo manchanda com um vermelho vivo, no lado esquerdo do peito.
***
Minha jaqueta estava pesada. Havia alguma coisa fria e metálica no bolso onde carrego o meu celular.
Alguém esmurrava a minha porta.
Na tv, uma última notícia era dada e pude escutá-la da sala, enquanto me dirigia para atender o infeliz lá fora:
"O corpo do professor Benjamim Abravanel será sepultado amanhã a tarde, ao lado do corpo do seu filho, Pedro Abravanel, ambos assassinados ontem."
Olhei pelo olho mágico da porta.
Uma dor aguda parecia perfurar meu cérebro. Fechei os olhos e revivi cada passo meu, na noite anterior.
As batidas se tornaram mais fortes. Vozes vieram lá de fora, ordenando que eu abrisse. Senti, mais uma vez, uma contração no meu estômago.
E tudo era muito real; palpável. Fato consumado.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Quarta parte

Chegou agora? Leia de baixo pra cima, para se situar!

***

-- Você é o culpado por tudo isso, Tiago!

-- Cala sua boca!

-- Eu não lhe entendo. Foi você quem fez as opções que fizeram a vida tomar este rumo.

-- Se eu estivesse atrás de entendimento teria ido a um psicólogo.

Pedro fixou seu olhar em mim.

-- Você não veio aqui pra me visitar, não é?

-- É o que parece?

-- Tão pouco para ver a Vitória...

-- Estamos começando a entender o joguinho, Pedro!

-- O que você veio fazer aqui, Tiago?

-- Ah! Tava tão bom! Continue, Pedro!

Pela primeira vez eu quem dominava a situação. O risinho cínicio havia sumido do rosto dele. Percebi também uma certa apreensão na sua voz . Coisa demais para alguém que só sabia variar para o tom irônico.

-- Fala logo, cacete!

-- Eu não quero falar, Pedrão! Quero fazer a linha psicopata.

-- Babaca.

-- Isso, assim! Vamos... Continue. E olha que eu ainda nem lhe mostrei o principal.

-- O que será o principal, Tiago? Uma arminha?!

Pedrou soltou uma sonora, porém nervosa, gargalhada.

-- Mas como você é óbvio.

-- Ás vezes é na obviedade que se encontra o acerto.

-- É? E essa frase? Pesquisou na internet antes de vim pra cá, bancar o psicopata?

-- Íncrivel sua incapacidade de sentir o risco que corre, Pedro.

-- Talvez seja porque ele não exista. - ele disse. E num passe seu rosto voltou a estampar o velho sorrisinho.


Minha mão sacou a arma, que até então estava presa no cós da minha calça. Apontei instintivamente para a cabeça dele.


-- E agora? Será que isso serve de estímulo para os seus instintos?


Ele engoliu seco.


-- Me parece que você queria falar muito comigo, Pedro. Pelo menos foi o que você me disse quando eu cheguei. Estou todo ouvido.

Puxei uma cadeira que ficava no pé da cama e me sentei.

-- Faça o mesmo! - ordenei.

Ele, vagarosamente, abaixou-se e sentou no chão, com o olhar fixo na arma.

-- Achei que gostaria de saber, Tiago. - ele me disse.

-- Saber o que, carissímo?

-- Que o professor Benjamim foi assassinado! - a voz de Pedro transbordou firmeza com esta exclamação. -- E que o próximo da lista deles sou eu.

domingo, 2 de agosto de 2009

Terceira parte

(Chegou agora? Leia de cima pra baixo, caso se interesse pelo que está acontecendo por aqui!)
***
A porta do quarto estava entreaberta. Tomei cuidado para abri-la sem que ela fizesse o habitual rangido que me denunciaria. Se bem que, a esta altura, pouco me importava com a hipótese do Pedro me pegar aqui. Melhor que ele viesse atrás de mim e aí sim a festa ficaria completa: Nós três reunidos no cômodo onde os pombinhos deviam dar sonoras gargalhadas com piadas sobre mim, depois de desfrutarem dos prazeres sexuais. Por um instante imaginei Vitória elogiando o desempenho dele e, em seguida, caçoando do meu, comparando-o negativamente. Será que eu pelo menos na cama a satisfazia ? Que tolice! Mesquinharia de ultima hora. Reflexão tardia. Ela já não era minha, mas dele. E fui eu quem a entreguei de bandeja para o tal Pedro. Meu único e melhor amigo que vinha de lugar nenhum, atrás de coisa alguma.
-- Ela não está aqui, Tiago! - quase tive um ataque do coração quando percebi a presença dele atrás de mim, no pequeno corredor.
De fato: Os pensamentos pareciam ter me cegado. Abri a porta, liguei a luz do cômodo e contemplei, mas não tinha dado por mim até o momento que o Pedro apareceu.
-- Onde ela está?
-- Na casa dos pais dela, caso tenha sorte.
A cama estava feita e o quarto surpreendentemente arrumado. Com certeza ela quem havia colocado ordem nas coisas. Não! Não era o momento de ficar maquinando histórinhas. Ele ainda não havia me dito onde ela estava com certeza.
-- Caso tenha sorte?
-- Me parece que o pai dela não a queria nunca mais sob o teto dele.
-- E por que ela não está aqui?
-- Porque aqui não é mais o lugar dela. Aliás: nunca foi.
Pedro me entregou outra taça de vinho transbordando. O cheiro quase me fez vomitar. Meus músculos formigavam e eu tremia por dentro.
-- Fala logo, cacete! Ela estava vivendo aqui, com você!
-- Estava. A mandei embora. Aqui não é lugar pra ela. Não ao meu lado.
-- Filho de uma puta!
-- O que há, Tiago? - Pedro perguntou, me encarando. -- Eis aí uma realização de um sonho, não? Ela não tá mais comigo! Do jeito que você tanto desejou.
-- Desejei o escambau.
Ele riu-se.
-- O escambau! - a gargalhada dele adquiriu um ar irônico, como sempre. -- Fala que não, Tiago! Fala! Me diz que eu estou enganado, mas me convença. Do contrário terei a certeza de que você não passa de um ressentido.
Não consegui falar. A voz me traía, junto com o corpo que se imobilizara, não permitindo que eu sacasse a arma e fizesse o filho da mãe engolir palavra por palavra; silêncio.
-- Não disse, Tiago? Pronto, eis aí o caminho livre. Não pense que eu ficarei doído. Não tenho o intuito de prestar solidariedade a ninguém. Não estou querendo lhe dar um prêmio de consolação. Não é do meu feitio.
Pedro tomou um gole do seu vinho. E eu não sabia o que fazer para me livrar daquela situação estática, sem voz, sem vontade, mas ainda sim capaz de odiar ainda mais aquele miserável que mantinha o tom de voz calmo, ao mesmo tempo que irônico, para falar comigo.

sábado, 1 de agosto de 2009

Segunda Parte


Bati a campainha. Aguardei por um instante. Talvez ele estivesse se recompondo. Colocando pelo menos a calça para parecer decente. Bati outra vez. Se estivessem fazendo algo que parassem agora. Quando ia bater pela terceira vez escutei um barulho vindo do lado de dentro do apartamento. Alguém estava se aproximando da porta. Não, eu não devo! Impulsos percorreram todo meu corpo na tentativa de me afastar dali. Ir embora. Sumir. Deixar que eles fossem felizes. Mandar postais no natal. Ligar nos aniversários. Conter minha ira, inveja, ciúmes, o escambau, mas não acabar com nossas vidas ali, sem levar em consideração o que elas poderian ainda nos oferecer. Éramos tão jovens. Não valia a pena.
Eu sou um fraco de merda!
-- Ah, é você!
Pedro quem abriu a porta.
-- Por que? - eu perguntei.
-- Por que o que? - ele retrucou.
-- Por que a surpresa?
-- Por nada, ora! Você tem a chave daqui, não tem?
-- Perdi.
-- Desastrado! Devia ter mais cuidado com suas coisas, ô cabeça de vento!
-- Você acha? - eu perguntei, contendo o ódio. Minha voz tremia.
-- Tenho certeza. Senta aí!
Se fosse um outro animal já teria sentido o perigo que lhe aguardava. Pedro foi até a cozinha. Não ouvi barulho algum vindo de dentro. Será que ela já estava dormindo?
-- Queria mesmo falar com você! - ele me disse, enquanto voltava da cozinha com duas taças cheias de vinho. -- Toma isso aí! Sobrou de ontem. Comprei duas garrafas, mas não tomei nenhuma.
-- A Vitória adora vinho! - eu disse, trêmulo.
-- Sim. Eu sei.
-- Melhor então chamá-la aqui!
-- Melhor não.
-- Ela está dormindo?
-- Não sei.
-- Como não sabe?
-- Que que você tem?
-- O que eu tenho?
-- Cê tá branco!
-- Eu sou branco!
-- Não como alguém que perdeu todo o sangue do corpo. - disse ele, rindo-se.
-- E a Vitória?
-- Por que o interesse?
-- Não sei! Ás vezes fico assim: interessado em coisas alheias.
-- Mas ela não é uma coisa alheia, Tiago.
Filho de uma mãe! Devia der lhe dado pelo menos dois tiros. Nem que fossem no pé! Só para não dar-lhe a oportunidade de manter aquele sorriso cínico.
-- Você a ama, não ama?
-- E te importa?
-- Vai ver que sim, não é? As coisas que dizem a respeito a minha namorada são do meu interesse. Você não concorda comigo:
-- Isso é uma provocação, Pedro?
-- Uma constatação, Tiago!
-- Onde ela está?
-- Então você veio atrás dela?
-- Isso te diverte, não é?
-- Confesso que um pouco! - ele deu uma última golada em seu vinho. Quando dei por mim estávamos nós dois, sentados no chão frio, encostados cada um em uma parede, de frente para o outro. A tensão crescia no meu peito, onde o coração saltitava.
-- Quem você pensa que é, Pedro? - eu perguntei. Senti que minha boca estava seca como nunca e não havia mais vinho na minha taça.
-- O cara que lhe trará mais vinho! Me divirto com você, meu irmão!
Pedro pegou minha taça e foi novamente para a cozinha, buscar mais vinho. O apartamento não era grande. Um quarto, uma cozinha pequena, um banheiro e uma sala. O suficiente para um rapaz que vivia sozinho na capital para poder estudar. Nunca soube muito da família ou da história dele. De certo, eu continuaria minha vida inteira sem saber porque tinha convicção de que, depois daquela noite, o Pedro não contaria mais nenhuma história nem a mim nem a ninguém.

Já estava demorando demais para fazer aquilo que, na minha cabeça, parecia tão simples.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Primeira parte

Era julho. Como eu me lembro? Fazia muito frio. Impossível esquecer. Mais cedo, no noticiário, a mulher do tempo já havia anunciado que viveríamos a noite mais fria do ano. Só ouvi isso. Saí do cômodo onde eu estava, passei pela minúscula sala e antes de sair desliguei a tv. Não dei tempo para a mulher do tempo completar seu comentário de como uma noite desta poderia ser aproveitada. Bati a porta e dei apenas uma volta na chave. Normalmente eu daria duas, mas para não cair na tentação de retornar para dentro e desistir, logo tirei a chave do seu encaixe.Naquela noite eu estava nervoso, minha mão tremia e eu mal consegui enfiar a chave na fechadura.
Caminhei alguns quarteirões. As ruas ainda estavam movimentadas. Olhei um relógio eletrônico, destes instalados no centro da cidade, e verifiquei que ainda não era nem dez horas da noite. Quinze pras dez, para ser mais exato. Hora boa. Com certeza os dois estariam em casa. Se desse sorte encontraria os dois se amando sob um edredom grosso. Mas se bem que não! Dependendo da intensidade da transa dos dois poderia ser dito que o lugar mais quente da cidade era o quarto aonde o ato era consumado. Ri deste pensamento tolo. Por um instante me distraí e permiti meu cérebro se inundar em outras imagens que não a dos dois corpos, jazendo mortos, sobre a cama, nus certamente. Um misto de pavor e fixação contaminavam meu sangue, cada vez que esta imagem surgia na minha cabeça. E, em alguns instantes, eu sentia náusea. A ideia de ser um assassino não era muito querida por um corpo que se recusava pisar em uma barata.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Mal de escritor

Eles estão se amando alucinadamente. Beijos, carinhos, suor e palavras sussurradas ao pé do ouvido.
De repente, com um arranque, ele para.
-- O que foi?
Ele apenas faz um gesto para ela calar-se. Fecha os olhos fortemente e, num instante depois, sem dizer uma palavra salta de cima dela e corre pra sala.
Ela não entende. Aguarda que ele volte.
Três minutos... Cinco minutos...
Ela se enrola no lençol e vai atrás dele.
-- O que foi? -- pergunta ela.
-- Tive uma ideia. -- responde ele.
-- Mas e nós dois?
-- Eu já havia acabado.
-- O que?
Ele, em desgrudar os olhos do computador:
-- Me satisfiz!
-- Eu não acredito que estou ouvindo isto. - diz ela, incrédula.
E ele, sem desgrudar os olhos da tela:
-- Você também já teve o que é seu por direito. E mais de uma vez.
-- Você não está fazendo isso comigo assim...
-- Amor, é uma ideia...
-- Seu escritor fracassado de uma figa! Lixo!
-- Não fala assim. Eu precisava... a ideia é ótima, olha...
Ela não se atenta a explicação dele. Dá as costas e sai.
A porta bate lá dentro.
Ele olha pra direção que ela seguiu, mas logo retoma a página em branco, no computador. Volta a digitar freneticamente.
Para um instante e exclama com um suspiro:
-- Mulher insaciável!


sábado, 14 de março de 2009

O café, o beijo e um sino tocando ao fundo...

O café não estava tão cheio. Algumas nuvens de fumaça pairando no local, Elis cantando "As aparências enganam" e ele ali, meio toco de cigarro acesso entre os dedos, barba por fazer e olhos vermelhos. Ali, em sua mesa, um sanduíche de atum remexido e no cinzeiro alguns tocos de cigarro.

***
Ela entrou no café. Uma refresqueira e os sapatos na mão. Os cabelos desegrenhados, as bochechas ainda com um tom rubro e a respiração ofegante. Sabia que ele estaria ali. Sempre está. De costas para a porta, de preferência, para poder ter tempo de manipular as expressões no seu rosto, mediante ao que ela tinha para dizer, e nunca se mostrar fraco.
-- Você não foi ao aeroporto.
-- Eu sabia que você não entraria no avião. Não iria perder meu tempo.
-- Olha pra mim!
-- Pra que?
-- Pra ver o meu estado.
-- Por que eu deveria?
-- Vira!
-- Você está gritando.
-- Eu te amo.
-- Não tenho tempo pra suas asneiras. A Europa é muito mais interessante do que aqui. Deveria ter ido.
-- Você morreria.
-- Os alpes estão sumindo! Talvez você não terá tempo de vê-los mais. Nem tempo, nem oportunidade.
-- Eu te amo!
-- O ínicio da primavera européia é...
-- Não me trate com indiferença.
-- Não deveria?
-- Sabe que não.
-- Por que você fez isso comigo?
-- Eu te amo!
-- Olha o meu estado!
Ele já estava de pé, exaltado. Os dois se encararam. Os rostos estavam pertos demais. Ela era alta, mas ele conseguia ser maior. Mesmo suada, exalava aquele perfume maravilhoso que ele a dera no natal passado. Todos os sons do café, de repente, desapareceram. As nuvens de fumaça sumiram.
-- Eu te amo!
Ele fechou os olhos.Talvez tenha sido o beijo mais apaixonado dos dois. Não importava as pessoas, a fumaça, o café, nada! Beijaram-se sem pudores. Alguém ao fundo começou a tocar um sino freneticamente. O som cortava o silêncio que o café estava mergulhado. Ele resolveu verificar quem era o maluco que fazia o barulho ali, naquele café de pessoas discretas...
Abriu os olhos e olhou para o lado.
A única coisa que viu foram os números vermelhos do despertador marcando 9:10.
Nunca odiou tanto aquela sineta.
A esta hora o avião já teria partido e ele não havia caído na tentação de ter ido vê-la feliz, ao lado do outro.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Devaneio

O ambiente é fantástico. Chega a ser METAFÍSICO. Lá está ele, recém aprovado no vestibular para a escola de Teatro, feliz, tomando um café, solitário, pensando em algum assunto interessante para escrever sobre, quando um outro se aproxima. Talvez seja impressão, mas parece que os dois se conhecem há muito tempo. Se observarmos mais, concluíremos que o outro é um filho de um amigo do pai do primeiro. Os dois ali cresceram juntos pelo simples fato dos pais trabalharem no mesmo lugar. Amigos? Não. A relação não poderia ser denominda assim. No máximo, conhecidos.
Quem os visse e empenhasse a audição para escutar o que conversavam, escutaria:
-- Então, UFMG né?
-- Huhum!
-- Meus parabéns.
-- Pois é!
-- Aposto que se empenhou.
-- Um pouco.
-- Estudou igual a um condenado?
(Condenado estuda?)
-- Nem tanto.
-- Inteligente como você, deve ter optado pela melhor engenharia! A que dá mais dinheiro. Imagina se escolheria outro curso qualquer...
-- Claro!
-- Qual delas escolheu? Produção? Cívil? Mecânica?
-- A melhor.
-- Qual?
-- A cênica!
Silêncio entre eles. Uma golada de café de um. Cara sem expressão do outro.
-- Mande lembranças ao seu pai. -- disse o aprovado, recolhendo suas coisas. Saiu e deixou o outro ali, ainda sem expressão.

O café já estava pago.

"Demitido? Meu pai? Imagina!"

-- Raysner, seu pai foi demitido?
Acho "demitido" um termo muito pesado. Soa mal. Me lembra o Justus fazendo aquela cara de mau, de quem foi muito contrariado, arqueando a sobrancelha, apontando com o dedo indicador e eliminando algum dos seus "aprendizes". Tá, pura frescura minha, mas prefiro adequar aos termos mais pedantes, desmasiadamente usados nesta contemporaneidade:
-- Vê lá se meu pai, trabalhando 22 anos incansavelmente, sem nenhuma falta ou ocorrência contra, dedicando a vida por uma empresa que, sem pensar duas vezes, o cortaria do quadro de funcionários seria assim, demitido! Ele apenas sentiu os reflexos da crise...

CRISE ESTA QUE, SEGUNDO O PRESIDENTE LULA,O BRASIL ESTÁ PRONTO PRA ENFRENTAR! (Meu pai, coitado,mesmo sendo brasileiro, não estava.)

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Juro que não falo

Jurei que não falaria sobre minha aprovação no curso de Teatro, na Universidade Federal de Minas Gerais (mais precisamente em 13º lugar, o que me coloca entre aqueles que terão entrada no primeiro semestre para a primeira turma). Acho que isso ocupa espaço, é de pouca relevância, torna o meu blog uma espécie de "querido-diário-virtual" e há coisas mais interessantes para serem vistas na internet. Para que alguém perderia o tempo lendo os meus humildes relatos sobre este mês de janeiro que funcionou como um divisor de águas na minha vida? Quem se importaria em saber que o mês passado eu tive a impressão de que havia vivido o suficiente para um semestre? Vê lá se um ser conectado nesta teia de computadores, que oferece múltiplas formas de entreternimento, vai querer saber de toda a minha aflição vivida na durante o período pós-provas-da-segunda-etapa até o dia D, no qual o resultado foi divulgado, às 14 horas (era uma sexta feira, dia 23/01, e a Josi, uma companheira de turma, quem me deu a notícia)? Ninguém, não é mesmo? Por isso eu não o fiz. E talvez eu nunca faça. Não pretendo relatar nada que trate da minha mais nova escola (e vitória). Por mim, todos os carissímos leitores que passam por aqui morrerão sem saber que valeu a pena acordar às 5 da manhã, pegar ônibus lotado, estudar durante toda as férias, almoçar durante um mês sanduíche do Carrefour, só falar de Getúlio Vargas e Fidel Castro, deixar tudo de lado, mas, no fim, ver meu nome na lista de aprovados.
Nem sob tortura o farei. Vê lá se alguém terá paciência para ler tamanha balela!